Vapor

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Reconheço poucas experiências percorridas pelas quais sinta efetiva nostalgia. Aborrece-me andar às voltas e reviravoltas com o meu próprio passado, tentando reaver o irrecuperável, reencontrar a memória dos que se dissolveram ou transformaram noutras pessoas. Uso-o apenas como depósito ou armário de bibelôs, aos quais faço visitas espaçadas e esquivas. Apesar de ter mais tempo de vida vivida do que aquele que pressinto pela frente, não me apetece repetir-lhe os passos. Acontece-me muito mais, isso sim, deixar-me seduzir por épocas que não conheci, por espaços que não habitei, atravessados por causas nas quais gostaria de ter acreditado e pelas quais teria até (é fácil dizê-lo agora) sido capaz de dar a vida. Regresso então a catedrais de arquitetura desconhecida e a pessoas que nunca vi mas julgo conhecer.

Existem, no entanto, exceções que procuro conservar. Uma das mais caras tem a ver com a memória persistente dos velhos comboios a vapor, nos quais, levado pelos adultos, ainda cheguei a viajar. Entre fumos e faúlhas, longos e obsidiantes silvos, intermináveis chiadeiras das engrenagens, cestos de vime com farnéis odoríferos, homens de chapéu e jaqueta espreitando das janelas da 3ª classe, matronas em traje dominical, longas e sonolentas esperas para o reabastecimento. Eram máquinas demasiado barulhentas que queimavam, sujavam, pintalgavam, poluíam, oscilando sobre carris estreitos e oleosos. Das quais sinto agora a falta porque me pareciam bonitas e inspiradoras. Porque me transportavam em inevitável devaneio, e ainda o fazem em reflexos, até um Faroeste infinito e a mil aventuras nas estepes da Ásia central.

Vídeo: Last Train Home (Railway Version), com o Pat Metheny Group.

    Devaneios, Memória, Música, Olhares.