Os juros e a evolução da espécie

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Passei hoje três quartos de hora num banco à espera de ser atendido. Como cometi a imprudência de não levar nada para ler, pois acreditava ingenuamente que tudo seria rápido, tentei despistar o tédio respondendo a mails com recurso ao meu fiel iPhone. Com a consciência de estar a passar, junto dos circunspectos companheiros de infortúnio, por mais outro maluquinho do SMS. Cansado de dedilhar, levantei-me e cada vez mais impaciente comecei a andar de um lado para o outro lendo um a um todos os cartazes com anúncios de produtos financeiros. Desses que prometem a felicidade suprema desde que a paguemos em prestações mensais com taxas «indexadas à Euribor». Dei então com um anúncio especial, destinado «aos jovens». Prometia uma linha de crédito para pagar viagens, bilhetes para concertos, roupa (o cartaz chamava-lhe «moda»), gadgets electrónicos e, pasmem-se os e as mais inocentes, «experiências». «VALE TUDO!», proclamava o reclame em enormes caracteres. Endividar-se aos 18 anos e continuar nesse mesmo estado aos 68 deverá, entretanto, produzir alterações sensíveis no comportamento humano e no relacionamento intergrupal. Pode ser que a expressão «VALE TUDO!», aplicada pelas instituições credoras à grande massa de endividados, siga então essa evolução. Escravizando-os, por exemplo, já que não caberão todos nas prisões. E forçando-os a trabalhar como «cobradores do fraque». Isto se o sistema não estourar antes, claro, regredindo a espécie a esse estado natural de «guerra de todos contra todos» desenhado por Hobbes no Leviathan. O que justificaria, com toda a certeza, a suspensão imediata dos pagamentos de juros.

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