ABC das Palavras Obsoletas – 3

Porreiro, pá

Porreiro

O «porreiro, pá!», acompanhado de um rijo aperto de mão, dirigido por um conhecido governante português a um dirigente europeu seu compatriota no final da conferência de imprensa na qual ambos anunciaram o acordo obtido na Cimeira Europeia de Lisboa de 2007, deu a volta ao país pela mão de comentadores, bloggers e políticos. Entre ambos, a expressão traduzia um código geracional destinado a sinalizar um pacto, contentamento, familiaridade. Para muitas pessoas, no entanto, representou uma maneira superficial, quase ofensiva, de abordar um assunto e uma decisão que não admitiam ligeireza de modos. O Bloco de Esquerda transformou mesmo a palavra em ferramenta da sua propaganda eleitoral, exaltando a nota negativa mas deslembrando que a palavra já quase se não usa fora dos espaços sociais provindos dos antigos circuitos estudantis e urbanos.

De facto, «porreiro» já era. E era apenas para alguns, mais privilegiados. Era «bom, excelente», como era «simples, prestativo». «Gajo porreiro» era, «entre a malta», o sujeito camarada, boa rês, «cara legal» capaz de reagir com simpatia até quando alguém lhe assentava nas costas, à socapa, uma palmada das fortes. «Porreiro» era o tipo que não se importava que lhe cravassem cigarros atrás de cigarros – no tempo em que as pessoas normais fumavam – e jamais pedia de volta os cem paus que emprestara no mês passado. Era o sujeito sem manias, simples, pouco dado ao espectáculo, capaz de ouvir sem se impor aos outros. Uma espécie de Doutor Moreira ao contrário. Um José Mourinho às avessas. Já «miúda porreira» era aquela fixe, camarada mesmo, que se não esquecia dos nossos anos e nos dava metafísicos chocolates ou parzinhos de peúgas. Gente assim, «porreira» mesmo, ou efectivamente «porreta», capaz de dar uma mão na hora H, ainda existe, mas já poucos a identificam dessa forma. Só mesmo aqueles que ainda se servem do vocábulo «pá». Mas esse, pá, dará outra entrada deste ABC.

PS – Dizem-me por mail que «porreiro» é também uma palavra usada no Brasil «para definir o cara que só vive de porre», podendo igualmente significar «pinguço, cachaceiro, pé de cana, garganta de alambique, etc.» O que não me parece contradizer aquilo que atrás ficou escrito.

    Etc., Olhares.