Cuba Sí, pero…

Fidel e Camilo Cienfuegos
Fidel e Camilo Cienfuegos

Alguns dos factores que no início da década de 1960 transformaram a revolução cubana e os seus rostos salientes – um Fidel persistente e carismático, o efémero mas decisivo Cienfuegos, um Che em breve tornado imortal – num factor de atracção e de romântico entusiasmo para toda uma geração de europeus ocidentais e de nascidos nas Américas que incluía intelectuais e revolucionários, mas também muitas pessoas pouco politizadas, parecerão hoje algo paradoxais. Sobretudo se observarmos aquilo em que Cuba se transformou e se identificarmos o perfil político daqueles que hoje ainda defendem sem hesitações o regime que governa o país. Essa atracção e esse entusiasmo advieram, justamente na época em que os partidos comunistas começavam a perder o pé junto de alguns dos sectores mais dinâmicos da esquerda ocidental e de uma nova geração de estudantes e de trabalhadores, do facto de os revolucionários da ilha de Martí parecerem evidenciar uma acentuada ruptura em relação à cartilha ideológica proposta a partir de Moscovo e à imagem cinzenta, gerontocrática, fornecida pelos rostos que, da tribuna do Kremlin, zelavam diariamente pela sua preservação.

À deriva proto-nacionalista de grande número de partidos e organizações comunistas tradicionais, ao esgotamento do padrão de sociedade que estas erguiam como paradigma, ao impacto perturbador da invasão da Hungria pelos soviéticos e das revelações de Kruchtchev no XX Congresso do PCUS, contrapunha-se a emergência de um novo e polissémico universo de expectativas que os agora renovados movimentos sociais reivindicavam, e que os barbudos cubanos, jovens, informais, arrebatados e com os olhos no futuro, com Fidel à cabeça, pareciam materializar. Não por acaso, os insubmissos cubanos, bem como os seus primeiros e incondicionais apoiantes – com Sartre, já então saído do PCF, à cabeça – foram vistos de início com muita desconfiança pelos mesmos partidos comunistas que então, é bom não esquecer, denunciaram o «aventureirismo guevarista». Hoje deparamos com a inversão destas atitudes de afeição e de desconfiança: politicamente insulada, a «revolução cubana» viria a fixar-se nos modelos de autocelebração que originalmente repudiara. Por sua vez, privados das anteriores referências fundacionais, alguns partidos comunistas passaram a erigir como modelo o regime que um dia olharam com desconfiança ou mesmo com animosidade. A História faz-se de factos, por muita reescrita que a possa envolver, mas nela a Revolução Cubana terá sempre um lugar de destaque.

    História, Memória, Opinião.