Michelangelo, Jane e o trotskismo

Da primeira vez, vi magnetizado Blow-Up. Não sei quando estreou em Portugal, rebaptizado História de um Fotógrafo e com alguns cortes, o filme de Michelangelo Antonioni baseado num conto de Julio Cortázar, mas julgo que não foi logo em 1966, pois nessa altura o contacto dos corpos e a nudez frontal de Jane Birkin, a anglo-francesa que um dia atirou um futuro ministro do Governo para os braços do trotskismo, eram mais-que-improváveis nas salas portuguesas. Devo-o ter visto uns quatro anos mais tarde, durante a frágil e fértil abertura marcelista. Na altura, ainda não demasiado impressionado pelas fixidez realista que o marxismo de seguida me iria impor – aliás, o filme interroga justamente a definição/indefinição do conceito de real –, senti-me perturbado com o jogo de luzes, de lentes, de vidros e espelhos, e pelo fortíssimo erotismo, que cercava os gestos um tanto nervosos e desajeitados de Thomas/David Hemmings. Falo disto porque me passou agora pelas mãos a banda sonora do filme, em parte da responsabilidade de um então muito jovem Herbie Hancock. Aqui fica, com as «vassouras» inconfundíveis de Jack DeJohnette, mais o contrabaixo de Ron Carter e a guitarra de Jim Hall, o deslizante Jane’s Theme. Esta Jane, já agora, era Vanessa Redgrave, também ela uma futura militante trotskista. O mundo é pequeno.

    Cinema, Memória, Olhares.