Maldita Sexta-Feira

A memória mais recuada que tenho da Venerável Sexta-Feira remete para uma sensação de medo seguida de perto por um certo sentimento de revolta. O medo era o da criança a quem contavam dos raios e dos coriscos guardados, enquanto preâmbulo de um lugar inevitavelmente reservado no Inferno, para quem ousasse comer carne (embora todos nós pudéssemos encher desalmadamente a boca de amêndoas). E como eu tinha vontade, deus meu, principalmente naquele dia, de comer um enorme bife, com um ovo estrelado a cavalo, com montanhas de batatas fritas! A revolta sobreveio anos mais tarde, quando as quatro estações de rádio e o único canal de televisão passavam quarenta e oito horas com uma programação apenas preenchida com vias-sacras, prédicas, penitências, mensagens do patriarcado, peças de Schumann e de Brahms tocadas pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional e cantorias de igreja de qualidade duvidosa, não me deixando, como sempre, entrar em órbita com o Em Órbita. O domingo de Páscoa emergia então como momento de júbilo e principalmente de regresso à vida.

    Etc., Memória.