Problema de sintaxe

Ando há semanas a tentar ler Descascando a Cebola, o livro autobiográfico de Günter Grass sobre o período que vai de 1939 a 1959. Não é autor que me encha as medidas, já aqui o disse. E, como também já escrevi, não me agrada que ele, a «consciência do povo alemão», tenha demorado tanto tempo a reconhecer em público que pertenceu a um destacamento das SS. Mas a dificuldade da minha leitura – que antevia como a de um testemunho – deve-se sobretudo à óbvia ausência de empatia com a tradução da obra. António Guerreiro já tinha chamado, no Expresso, a atenção para, entre outras falhas, «frases sintacticamente incorrectas ou demasiado próximas da sintaxe alemã», o que a tradutora e a editora procuraram refutar dois números do mesmo semanário depois. Não sou capaz de julgar com rigor de que lado está a razão, ou se todos a têm. Estudei alemão durante dois anos mas já quase esqueci o pouco que aprendi. Avalio a tradução, por isso, apenas através do gosto e da sensibilidade. Do ouvido também. E estes não me deixam um impressão positiva, tendendo a simpatizar com a opinião do crítico do Expresso. Assim, soam-me mal, muito mal, frases como «demo-nos com vontade à boa disposição», «abasteciam-nos com o jargão tradicional, excedendo-se a eles próprios na descoberta de chicanas subtis», «não seria mais premente falar actualmente» ou «repetidamente se atiçavam fogos de esperança que convidavam a aquecer na sua proximidade o ânimo enregelado», entre muitas outras, largas centenas delas, de idêntico recorte. Será por isto que continuo a andar para a frente e para trás com o livro. Sem avançar grande coisa, fazendo ainda o possível por não desistir.

    Opinião.