Chegam notícias da «Terra Sangrenta»

Nos últimos dias, com o recuo das tropas russas em algumas regiões da Ucrânia, sobretudo na área de Kiev, começam a chegar imagens e testemunhos – a larga maioria mostrados por jornalistas internacionais de muitas origens – que revelam a verdadeira dimensão de barbárie da intervenção de Moscovo no terreno. Por todo o lado a destruição total, focada nas habitações, de edifícios de apartamentos a casas isoladas, e nas estruturas que servem as populações, como escolas, hospitais, serviços de fornecimento de água e eletricidade, centros comerciais, armazéns, museus ou igrejas. Para não falar daqueles outros objetivos que podem até ser considerados também militares, como pontes, estradas, depósitos de combustível ou instalações de governo local. 

Pior, muito pior, o espetáculo tétrico e insuportável da execução indiscriminada de centenas de civis, muitos deles idosos, e de mulheres e crianças que de modo algum poderiam ser considerados militares. Existem nos corpos deixados para trás sinais bem visíveis de práticas de tortura, alguns com as mãos amarradas e tiros na nuca, outros esmagados por tanques, muitas mulheres violadas e abatidas, e encontraram-se já diversas valas comuns. Por sua vez, quem conseguiu escapar não esconde perante as câmaras o estado de choque face à forma de operar da maioria dos militares invasores, aparentemente instruídos contra a população do país e com carta branca para fazer aquilo que bem entenderem. Ao mesmo tempo, são incontáveis os espaços, alguns habitacionais, deixados minados para poder causar ainda maior dano.

Perante este espetáculo terrível, fica a perceção de que existe uma evidente intenção de destruir todo um país, não apenas de o controlar por razões estratégicas com a eventual imposição de um governo-fantoche. Uma política de terra queimada de novo instalada nessa «terra sangrenta» de que nos fala o historiador Timothy Snyder ao referir a situação, a partir dos anos 30, de toda aquela grande região da Europa que vai de Varsóvia a Moscovo e foi submetida, sendo-o agora de novo, a uma barbárie total. Em larga medida provocada por Estados imperiais e agressivos, ciosos de impor uma supremacia que também foi e é étnica: a Alemanha, num primeiro momento, depois a União Soviética, e agora a Rússia.

É diante isto que algumas boas almas que se dizem «de esquerda», mas adepta da paz dos cemitérios – uma ínfima minoria, é certo, mas hiperativa e agora a desdobrar-se todos os dias em tomadas de posição –, continuam a culpar sobretudo as autoridades de Kiev e, claro, primordialmente os Estados Unidos da América e a NATO, defendendo na verdade a capitulação da Ucrânia e a inação da União Europeia, bem como o desarmamento dos Estados limítrofes situados do lado ocidental da região agora em guerra. Isto é, apoiando precisamente, na prática, como colaboracionistas, aquilo que o autocrata e criminoso Vladimir Putin deseja que aconteça. Para tais almas, as pessoas, as mortas e aquelas em carne viva, essas não passam, «infelizmente» dizem sempre por piedade, de peões.

Rui Bebiano

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