A esperança contra a indiferença

A História não se repete. Foram há muito superadas as teorias de Danilewski e de Spengler que a julgavam apoiada em rígidos e inevitáveis ciclos civilizacionais, e mesmo a mais moderada ideia de Arnold Toynbee, para quem a obrigatória repetição dependeria um pouco mais do fator humano, está hoje descartada. Aquilo que se rejeita nessas doutrinas não é, no entanto, a possibilidade de determinadas situações da vida das sociedades se poderem assemelhar, mas a noção de tal acontecer de forma regular e implacável. Como se estas fossem regidas por um destino, por um fado, que as determina.

De facto, somos sempre aquilo que nos fazemos ser, o que construímos ou aceitamos, embora existam dinâmicas contraditórias que escapam com toda a certeza à vontade de cada um, se não ao entendimento. A essas dinâmicas chamamos circunstâncias. São, pois, estas que vão mudando, combinando formas diferentes de realidade e fazendo com que os indivíduos e os coletivos, colocados em distintas situações, se comportem também de forma diversa, ainda que, por vezes, certos comportamentos, bem como aquilo que deles resulta, possam assemelhar-se.

Desde que passei a pensar por conta própria, em plenos anos 60, até cerca de duas décadas depois, vivi num ambiente tendencialmente empenhado na mudança do mundo, na afirmação da liberdade individual, no abalar das formas rígidas de disciplina, na construção de sociedades mais justas, vividos pelos setores sociais dinâmicos dentro de lógicas de compromisso. Tomo este conceito no sentido do engajamento, do empenho na defesa de uma convicção. Talvez o inglês «comittment» traduza melhor a ideia, ao referir-se – sigo o Oxford Dictionary – ao «estado ou qualidade de quem se dedica a uma causa ou a uma atividade». Foi esta a atitude dominante entre os estudantes universitários nas décadas que se seguiram ao termo da Segunda Guerra Mundial ou, entre nós, nos tempos que antecederam ou acompanharam a Revolução de Abril: anos de dúvidas, de lutas e de esperanças, que produziram diferentes formas de pensar e de preparar o futuro, instigando a mudança.

Os anos oitenta incorporaram uma viragem nesta tendência, recuando a militância diária e difícil pelas causas tomadas como justas, ao mesmo tempo que os valores da ditadura cultural do neoliberalismo fizeram alastrar a ideia segundo a qual o mundo é o que é e não existe alternativa que não seja a de geri-lo. Foi nessa época que o chamado mundo ocidental viveu aquilo a que o ensaísta Gilles Lipovetsky chamou «a era do vazio», pautada por uma perda de influência da esfera pública, bem como das suas instituições coletivas – partidos, sindicatos, movimentos sociais tradicionais – que foram recuando perante a saliência do individualismo. Na década seguinte, a expansão da comunicação social sensacionalista e a afirmação de uma ética hedonista, associadas ao recuo da leitura, trocada pelo império do entretenimento, tornaram ainda mais irreconhecível aquele tempo que fora de ideais, de esperança e de combate.

É aqui que situo, quando sou forçado a um esforço de comparação, um dos flagelos do nosso tempo, que podemos encontrar hoje nas salas de aula das universidades, outrora espaços da consciência crítica e de mobilização para a mudança. Refiro-me à indiferença, à aceitação na esfera da normalidade da supremacia do dinheiro e do poder a eles associado, instituída como uma espécie de sentimento dominante, pautando o conformismo e o desinteresse pelo futuro. É com isto que deparamos de cada vez que pretendemos mobilizar os alunos para a novidade, o debate e a grandeza da política.

Ficaremos então pelo desalento e pela descrença? É claro que nada dentro deste panorama é irreversível e existem sinais de que esta situação de marasmo e desmobilização começa aos poucos a ser invertida. Mesmo sem aceitar a referida lógica dos ciclos que se repetem, sabemos pelo conhecimento da história que, como lembra a canção de Fausto Bordalo Dias, «atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir». E que ao sono mais ou menos profundo se segue sempre o despertar. Não se trata da força do destino, mas da inevitabilidade da esperança.

Fotografia de Sándor-Zsolt Fazekas
Publicado no Diário As Beiras de 2/12/2017.

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