Quanto vale o localismo

Ao contrário do que declara o ditado, não existem males que vêm por bem. Uma coisa má não pode ser trocada por outra boa, pois são experiências diferentes que cada um guarda consigo em lugares também diversos da memória e da experiência. Mas, sim, é banal mas verdadeiro: é muitas vezes no meio do pior que emerge o que conseguimos mostrar de melhor, de mais generoso e de mais intensamente humano.

Sou natural da «Região do Pinhal», e, desde que me conheço, Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Avelar, Penela, Cernache do Bonjardim, Góis, Lousã, Ansião, Alvaiázere, Pombal, Sertã, Oleiros, para nomear apenas algumas da vilas e concelhos, sem jamais esquecer as aldeias e lugares que contêm, são palavras que evocam anos fulcrais da minha vida e, desde sempre, o perigo do fogo, o cheiro a floresta queimada e as omnipresentes sirenes dos bombeiros.

Como acontece historicamente em muitos locais do interior, por motivos que se perdem nos tempos mas cruzaram muitas gerações, sempre cresci também com rivalidades seculares entre essas localidades e os seus naturais. A ouvir dizer que as pessoas daqui eram isto e as dali não passavam daquilo. Sempre o pior, porque verdadeiramente bons éramos «nós», sobretudo porque não éramos «eles». Para as gerações mais novas, habituadas a movimentar-se e a partilhar experiências, a estudar, a trabalhar, a dançar e a namorar na terra ao lado, isto já não faz muito sentido, mas de vez em quando ainda regressa a conversas noturnas, invocando a irracionalidade de ódios ancestrais.

Por isso, perante a desgraça deste incêndio brutal, ver os habitantes daquela região, da minha região, a partilhar a dor, a ajuda e a solidariedade, salvando, protegendo e consolando, enquanto apagam num instante as velhas divergências, é, no meio de todo este pavor, um sinal de esperança. Não apaga o mal que aconteceu, mas ajuda a encarar aquilo que virá pela frente.

Rui Bebiano

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