A campanha «da confiança»

A que propósito alguém que não é eleitor do Partido Socialista, discorda de muitas das suas escolhas passadas e presentes, suspeita de posições publicamente assumidas (em casos excepcionais até da idoneidade democrática) de vários dos seus responsáveis nacionais e locais, e para mais é candidato nas listas de uma força política concorrente às eleições de 4 de Outubro, se preocupa com a desastrosa pré-campanha que os socialistas têm vindo-a desenvolver? Tenho uma resposta simples: não me é indiferente, nem me parece que possa ser indiferente à maioria dos portugueses, e à esquerda política em particular, que o PS perca as eleições para a direita. Sabendo que não existe alternativa no que diz respeito à vitória nas urnas neste Outono e à constituição de um novo governo, prefiro Costa a Passos como primeiro-ministro de Portugal. Ainda que, se necessário for, cá esteja depois – e provavelmente estarei – para me opor às escolhas das quais discorde que nessa qualidade venha a procurar impor. Dizer o contrário é prova de cegueira, própria de quem, embarcado na sua arca de Noé, não se importe que rompa o dilúvio.

Têm sido particularmente notados os desastrosos cartazes com os quais o partido tem decorado estradas e rotundas do país. Sem entrar agora em detalhes, bastará dizer que ao mau gosto de alguns deles, marcados por uma enigmática estética new age, ou o carácter algo oportunístico de outros, associando situações dramáticas a cidadãos que de facto as não viveram, constitui apenas parte do problema. O essencial do erro prende-se antes com a mensagem que é passada. Em vez da invocação documentada do estado calamitoso a que o actual governo conduziu o país e de propostas concretas para o futuro, aponta-se para uma espécie de procuração da indignação e da esperança nas mãos de alguém – o PS e o seu secretário-geral – nos quais se deposita então «confiança», a palavra-mágica que algum guru do marketing político propôs como mote. Como se no presente estado da nossa vida democrática a maioria dos cidadãos, entre os quais se conta um número muito grande de indecisos e de potenciais abstencionistas, muitos deles vindos de uma classe média pauperizada e politicamente orfã, aceite apoiar seja quem for sem que a pessoa ou a força que sugere esse apoio defina compromissos claros e credíveis. Quando o mote da campanha interna de António Costa até era «mobilizar Portugal»…

Para além de, nos conhecidos casos, constituir uma lamentável agressão à qualidade da paisagem, a campanha «da confiança» representa pois um clamoroso erro político. Que, por muito que possa agradar a uns quantos, se não for rapidamente corrigido terá consequências desastrosas. E, é aí que bate o ponto pois o resto não é comigo, não apenas para o Partido Socialista.

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