Pedro não é Vinicius

Corria o ano de 1969 quando em Coimbra, em plena «primavera marcelista», subiu de tom a contestação da política educativa, dos limites impostos ao associativismo estudantil e principalmente do regime. Foi um «ano de brasa», ainda hoje lembrado por tantos dos que o viveram ou dele colheram o eco, cujo desfecho, ao contrário do que por vezes se diz e escreve, não ocorreu logo no final do ano letivo. Pelo contrário, após um breve recuo dos estudantes, os conflitos radicalizaram-se e ganharam novos cenários, não deixando de ter lugar até ao 25 de Abril. A «crise de 69» acabou, pois, em 74. Mas aquele ano foi um ano decisivo. Para acompanhar a luta estudantil, a par das reuniões de caráter mais objetivamente político, tiveram então lugar iniciativas várias, de caráter lúdico e cultural, destinadas a lançar e a projetar «estados de alma» capazes de reforçar a combatividade.

Numa dessas iniciativas, organizou-se no velho Teatro Avenida um espetáculo de poesia e música que teve, entre outros convidados, os brasileiros Vinicius de Moraes, Chico Buarque de Holanda e Nara Leão. A um dado momento – o episódio já foi contado por diferentes testemunhas, sendo também recordado por Chico no vídeo que acompanha este post – ocorreu uma pequena e divertida confusão. Entusiasmado pelo momento – e, ao que reza a «lenda», por uma segunda garrafa de uísque –, Vinicius entrou num encómio ditirâmbico àquela juventude generosa que enchia o teatro, aplaudindo e acompanhando de cor algumas das canções. E elogiou essa «mocidade portuguesa» que aquela gente arrebatada representava. O que não percebeu foi a vaga de assobios e pateada que de imediato se seguiu a essas palavras: os estudantes aproveitaram a ocasião para vaiar a Mocidade Portuguesa, a odiada organização de juventude do regime, deixando Vinicius confuso, sem nada entender.

Todas as palavras, todos os conceitos, possuem uma história, e, no caso, era natural que os convidados brasileiros a não conhecessem. Mas já não é aceitável, nem mesmo por imposição de uma consabida ignorância, que Pedro Passos Coelho fale de «união nacional» para defender um compromisso suprapartidário que o salve do desastre. A velha União Nacional está associada na história recente de Portugal a um passado tenebroso de autoritarismo, sofrimento e pobreza, de tal forma que até Marcello Caetano procurou reformá-la, alterando-lhe a designação e parte da orgânica. Conservado por Salazar, ao longo de décadas, sempre em nome… dos «superiores interesses nacionais».

    Coimbra, Democracia, História, Memória.