Falsos berberes

Piratas

Conhecia já, de leituras antigas, a relativa autonomia política, face aos regimes islâmicos, daqueles a quem a tradição histórica europeia chama desde há séculos de piratas berberes. Sensivelmente desde os finais do século XVI até por volta de 1830, a sua presença temível e destruidora fez-se sentir muito para além das costas do Norte de África, de onde partiam e onde se abrigavam. Portugal e os portugueses sentiram com regularidade os ataques e razias que sistematicamente praticavam, existindo notícias de incursões suas até na Irlanda, na Islândia e mesmo na Groenlândia. Tanto nas suas actividades marítimas quanto nas maneiras de viver quando em terra, estes piratas conservavam uma independência que se mostrou particularmente notável e duradoura na chamada república de Salé, situada já na região costeira atlântica, frente a Rabat. Em larga medida povoada por repatriados muçulmanos de Espanha, o que me surpreende é que, durante séculos, foi local eleito de refúgio para inúmeros europeus rebeldes convertidos ao Islão, os quais, de acordo com Peter Lamborn Wilson em Utopias Piratas, forneceram em larga medida o saber técnico e a iniciativa que permitiram aos «berberes» ir tão longe e com tanto êxito nas suas acções de pilhagem e devastação. A ser provada, eis uma revelação surpreendente: o tão temido «berbere» era afinal, numerosas vezes, muito mais vezes do que o suposto, um europeu converso ou em dissídio, que conhecia bem as águas que cruzava e os territórios aos quais se dirigia.

    História, Memória, Olhares.