Pinhal

Fui ver Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes. Mas custa-me falar de um filme rodado naquela região indistinta que separa o litoral português da Beira interior. Porque nasci lá e, no fundo, também eu já fui um «rapaz do pinhal». O meu povo não são os operários das periferias e os trabalhadores do mar, as mulheres-a-dias e os imigrantes, os proletários dos campos, os vendedores de gelados e as rapariguinhas de shopping. Nem são os insubmissos urbanos ou as pessoas com vidas extremas, fodidas. Estes não cabem naquele universo ou neste filme. O meu povo é aquela massa híbrida de pobres remediados que picam o ponto mas possuem uns hectares de floresta, de jovens que jamais entrarão na universidade e vivem de ganchos, copos e engates pendurados pelos cafés, de pequenos funcionários que economizarão a vida inteira, de mulheres subjugadas pelo preconceito e pela maledicência, de emigrantes que estão e não estão mas voltam sempre no mês do calor, de idosas que fazem pela sombra o trajecto casa-igreja e volta. Pessoas que têm todo o tempo para se odiarem e para se aborrecerem. Elas são um outro «bom povo português», do qual quase ninguém fala mas fala Miguel Gomes. «Bom povo» para quem os carros dos bombeiros e uma noite de minis representam a epítome da aventura. E uma canção de amor pode ser a coisa mais séria do mundo. Pessoas como as deste filme, «entre a ficção e o documentário» ou lá o que for, que couberam na fantasia que lhes foi proposta sem saírem da vida delas. Se isto não é o povo, onde é que está o povo? Por isso vejo este filme digno e divertido apenas como um álbum de família com banda sonora. Por isso preciso ver de novo Aquele Querido Mês de Agosto, tão nacional quanto um Português Suave, para sair dele e voltar a entrar pelo lado da narrativa. E por isso sugiro que corram a vê-lo.

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