Edmund e a memória

O Foguetão foi um semanário juvenil de grandes dimensões, impresso a cores e com o caderno exterior em papel couché, fundado e extinto em 1961. Foi a primeira publicação portuguesa a divulgar tiras do Astérix, preludiando a avalancha da BD franco-belga que chegaria a seguir. Lembro-me que tinha uma particularidade da qual gostava muito: utilizava a capacidade gráfica que o tamanho permitia para reproduzir, em dimensões colossais, factos e objectos do passado, literalmente revelados nas suas entranhas (ainda me lembro do interior do navio-almirante de Nelson), como a construção das pirâmides, a batalha de Trafalgar ou o naufrágio do Titanic. Uma dessas montagens contava a conquista do Monte Everest pelo explorador neozelandês Edmund Hillary e o seu guia sherpa Tensing Norgay (que um dia, num texto descuidado, confundi com Chang, o tibetano amigo de Tin-Tin). Hillary, de quem ouvia falar pela primeira vez, surgia ali como um herói apenas comparável aos semideuses homéricos. Talvez por isso, na memória que então comecei a construir, ele me parecesse um homem que pertencia já ao passado, com toda a certeza morto e merecidamente evocado. Foi pois com algum espanto que encontrei hoje, num jornal diário, uma referência à comemoração dos seus magníficos 88 anos. Ao contrário daquilo que muitas vezes se julga, a memória que mais partidas nos prega é a da infância. Preservada é sobretudo a recordação da infância que concebemos alguns anos mais tarde, o que não é bem a mesma coisa. Happy Birthday, Sir Edmund! E desculpe tê-lo abatido ao efectivo!

    História, Memória, Olhares.