Sabedoria em Aphania

Em Petsetilla’s Posy, obra semi-obscura publicada em Londres no ano de 1870, Tom Hood descreveu Aphania, um reino imaginário da Europa central no qual existia um código penal para as ausências de estilo e onde o plágio era punido com três anos de exílio. Determinadas violações da sintaxe eram mesmo castigadas com a pena capital, em alguns casos executadas de imediato e no próprio local no qual haviam sido cometidas. Para preservar a pureza de estilo, os adjectivos encontravam-se guardados na biblioteca nacional e cada escritor apenas podia utilizar três em cada dia. Os decididamente incapazes de escrever um livro de qualidade mínima eram pagos pelo Estado para viverem na ociosidade e se absterem de o tentar fazer.

Mais no Dictionary of Imaginary Places, de Alberto Manguel.

    Devaneios

    Lawrence já não mora aqui

    O abuso do conceito de aventura afirma-se sobre os escombros de vidas passadas, de episódios contados em crónicas antigas, de cadernos de viagem com nódoas e páginas amachucadas, de romances feitos de movimento e distância. Perde a sua dimensão como acto ilícito, subversor do corrente, construído como viático de liberdade e risco, procura de um alhures inatingível do qual jamais se regressará a salvo. No último número, temático, a revista Déserts ensaia a história idílica e o presente encantador das caravanas concebidas para turistas. Procura mesmo perturbar a narrativa paradisíaca do oásis, enunciando o sabor benévolo de um percurso ao sol, sobre as dunas, providos os seus viandantes de roupa e sapatos confortáveis, tendas climatizadas, bebidas frescas, navegação GPS e guias-hospedeiros disfarçados de tuaregues. No caravanserai dos mortos legendários, T. E. Shaw, Lawrence da Arábia, sentir-se-á perdido na sombra de um outro mundo, de um outro tempo.

      Apontamentos

      A glória do fumo

      Na década de 1950, recorda um apontamento do suplemento (do DN), a pose das figuras da televisão (e do cinema, acrescento) incorporava o cigarro «como sinal de requinte e sintoma de segurança». Talvez fosse interessante olhar um pouco – neste tempo de antitabagismo irracional (inexistente no mundo islâmico, tal como na maior parte da Ásia, de África e da América a sul de Ciudad Juárez) – para a história dos interditos e da valorização simbólica do tabaco. Reparar na forma como este funcionou enquanto sinal de emancipação (das mulheres, dos adolescentes, dos soldados, dos empregados e dos operários submetidos a cadências absurdas), marca de reflexão e de inteligência (entre os intelectuais ou aqueles que o ambicionavam ser) ou elemento-chave das estratégias de sedução social e amorosa.

        Apontamentos

        Solidariedade

        «Nós somos impenetráveis», escreveu um dia Unamuno. «Os espíritos, como os corpos sólidos, não podem comunicar-se a não ser pelo toque na sua superfície, não penetrando uns nos outros, e muito menos fundido-se.» Sem esta consciência, erram, de desconsolo em desconsolo, até ao abandono. Com ela, podem tornar-se solidários sem se sentirem hipócritas.

          Apontamentos, Olhares