
A falha elétrica de 28 de abril, que afetou toda a Península Ibérica, produziu ondas de choque de grande impacto. Motivos, detalhes, responsabilidades e dimensões do incidente encontram-se por esclarecer de forma completa, mas os efeitos práticos foram percetíveis no imediato. Começou por desaparecer o sinal das redes de telemóvel e da Internet, e logo de seguida tudo sucedeu em catadupa: iluminação desligada, aparelhos elétricos inoperantes, elevadores bloqueados, semáforos sem funcionarem, transportes caóticos, caixas multibanco inativas, cafés e restaurantes a menos de meio gás, com tudo o que isto implica na alteração radical das formas de vida, da atividade produtiva, dos sistemas de segurança, dos cuidados de saúde e das necessidades humanas básicas.
O problema sobre o qual existiram mais queixas foi sem dúvida a quebra dos meios de comunicação digital, para a maioria das pessoas um instrumento hoje indispensável como forma de contacto e de informação. Mais que alguns incómodos momentâneos, foi a falta desta que a maioria dos cidadãos experimentou como drama, em particular por não poder entender a origem e a dimensão do que se passava, abrindo-se assim a porta para a rápida difusão de notícias falsas e de boatos. Estes incluíram suposições como a extensão da quebra energética a toda a Europa e ao norte de África, um poderoso ciberataque com origem em Moscovo, a organização de um atentado terrorista global ou a ocorrência de fenómenos atmosféricos raros. Pelos dados divulgados, não passaram de rumores, mas ecoaram inquietações bem reais.
O Dicionário Aurélio considera o boato uma notícia anónima que corre sem confirmação. Terá sido uma prática social tão antiga quanto a humanidade, cumprindo sempre, sobretudo em sociedades dominadas pelo pensamento mágico e sem instrumentos de aferição da verdade, um importante papel na moldagem da informação, influenciando a vida quotidiana, as decisões e os acontecimentos de significado político. A nossa revolução de 1974-1975 foi terreno fértil para o seu progresso, ao ponto de o discurso da esquerda ter insistido no slogan «o boato é a arma da reação». A propagação das formas de comunicação trazidas pela vulgarização do digital e, em particular, pelo uso intensivo e não regulado das redes sociais, tem levado este utensílio da desinformação a níveis extremos, questionando-se mesmo, no contexto, a separação entre verdade e mentira, crítica e difamação, ou conhecimento e manipulação.
A agravar a situação, instalou-se uma situação de desamparo do cidadão comum perante os critérios da informação dos quais dispõe. Esta pode associar-se a uma ordem política global muito instável, mergulhada em perigos vários potenciados pela reemergência da extrema-direita, pelas derivas autoritárias populistas e «iliberais», e por diferentes formas de terrorismo, que têm transformado o boato em fator de ansiedade e de medo. Nestas circunstâncias, foi fácil, no dia do apagão, sem sinais de informação segura, a generalização de preocupações e de rumores associados a medos, de há muito ligados, por Jeffrey Gray, a «fatores de novidade a estímulos que surgem durante a interação social», aos quais Larry Burton juntou a propagação de sinais de ansiedade e incerteza.
De facto, como ocorria há sensivelmente cem anos, vivemos hoje, por todo o lado, um tempo de medos, em boa medida condicionados pela manipulação da informação e pelo eco de formas de ameaça e de ódio, originado principalmente nos mesmos setores da governação ou do espetro político que, pelo menos nas democracias, deveriam ter o dever formal de informar e de tranquilizar os cidadãos. Contra ele, há, pois, que trabalhar com empenho na melhoria da informação e na mobilização dos cidadãos, pois, como acaba de afirmar Kamala Harris durante um concorrido comício contra Trump realizado em San Francisco, «o medo não é o único sentimento contagioso: a coragem também o é».
Rui Bebiano
Fotografia de Valeriia MillerPublicado no Diário As Beiras de 3/5/2025