Paris 1940

Paris sob a Ocupação
Fotografia de André Zucca

O antigo primeiro-ministro britânico Anthony Eden disse certa vez que quem não viveu diretamente «os horrores de uma ocupação por um inimigo estrangeiro» não tem o direito de julgar aqueles que os sentiram na pele. Algo de idêntico, aliás, pode dizer-se da forma como são avaliados determinados comportamentos em situações de guerra ou de perigo extremo: é fácil fazer juízos benévolos, ou proclamar heroísmo, ou anotar cobardias, quando nunca se soube pela experiência própria o que é pisar o frágil risco que pode separar a vida da morte, sabendo, ademais, que se está a fazê-lo. And the Show Went On: Cultural Life in Nazi-Occupied Paris, do jornalista brasileiro, filho de ingleses, Alan Riding, é um absorvente relato da vida artística parisiense sob a ocupação nazi, explorando a desconfortável e instável região instalada entre o colaboracionismo, forçado ou não, e a genuína resistência.

Os primeiros capítulos mostram de que modo a vida intelectual da França se encontrava já ideologicamente fraturada no período que antecedeu 1940 – a data de início da ocupação nazi e do estabelecimento do governo-fantoche de Vichy – com o antissemitismo a marcar profundamente a vida dos criadores e do público. Para o final da Guerra, a luta pela sobrevivência tornou tudo ainda mais turvo, envolvendo escritores, artistas e atores numa teia de ofuscações, compromissos e virares de casaca. Cheio de detalhes – as solas de madeira dos sapatos das mulheres, forçadas pelas restrições impostas ao consumo de cabedal, provocando um ruído único sobre os pavimentos da cidade; os números de music-hall flirtando com o perigo ao desafiarem veladamente os alemães – por esta história magnificamente contada passam inúmeros personagens, desde jovens estrelas de cinema que procuram dar-se a conhecer à primeira oportunidade até figuras já notáveis e omnipresentes como Picasso, Piaf, Sartre, Beauvoir, Cocteau e o violentamente antissemita Céline. Um caso ao acaso: Edith Piaf deslocando-se à Alemanha para cantar a convite dos nazis mas também para obter a libertação de soldados franceses detidos. Um livro sobre um lado da normalidade possível em tempo de guerra, no qual se confundem muitas vezes, na luta pela sobrevivência, a cobardia e a coragem. Onde nem tudo é branco versus preto, simples de distinguir.

    História.