A máquina de contar o tempo

tempo

Num dos prefácios o autor faz notar que «a medição do tempo é apenas um aspecto de um assunto muito mais vasto: o significado do tempo e a variedade das formas como é percebido e usado». Por isso esta história dos relógios é bastante mais que um relato detalhado da invenção e do aperfeiçoamento desses aparelhos mecânicos de medir os dias: representa também um esforço de compreensão da forma como estes rapidamente alteraram a vida colectiva e o modo dos humanos decifrarem o mundo. David S. Landes procurou, no fundo, fazer com os relógios aquilo que outros fizeram com a imprensa, mostrando como o seu uso fez detonar um conjunto de processos que excederam em muito os contornos da revolução tecnológica.

Publicada originalmente em 1983, A Revolução no Tempo foi revista em 1998 na sua edição em inglês, e foi esta que a Gradiva agora traduziu. Preservaram-se as três partes constitutivas da primeira edição – a que aborda a razão pela qual a invenção e o aperfeiçoamento do mecanismo ocorreu lugar na Europa, a que relata o modo como o relógio foi aperfeiçoado para ser cada vez mais portátil, fiável e duradouro, e a que descreve as vidas, os trabalhos e as conquistas dos que os foram produzindo – mas deu-se agora ênfase suplementar às profundas alterações técnicas das últimas duas décadas do século passado, em particular aquelas que disseram respeito à «revolução do quartzo» e ao uso do telemóvel, do computador, da rádio e da televisão como marcadores do tempo de todos os dias. Talvez seja sob este aspecto, porém, que esta obra acusa algumas falhas, uma vez que não discute o modo como a introdução destes novos processos de medição começou a apagar essa divisão do quotidiano em parcelas, em tempos fixos, que a utilização dos relógios mecânicos ainda supunha, substituindo-as por um «antes» e um «depois» cujo referente pode ser agora a chamada telefónica, o indicativo musical ou o programa de televisão.

Para além de um volume enciclopédico de informação sobre a história e a tecnologia dos relógios, produzida a partir de Galileu e da sua descoberta do isocronismo das oscilações do pêndulo, que só por si justificaria o interesse deste livro, destaca-se ainda o papel atribuído pelo autor ao facto da revolução produzida implicar uma metamorfose ética imposta pela possibilidade de rentabilizar os dias – detecta-se aqui uma articulação visível entre a nova forma de medir o tempo e uma ética calvinista do trabalho que teria escapado à análise de Max Weber – que se traduziu, para os europeus que rapidamente a adoptaram, num catalisador do crescimento económico e da sua afirmação planetária. Esta mudança ofereceu também à própria percepção da história um «cenário cronológico» anteriormente desconhecido, com implicações nos domínios da filosofia, da teologia, da literatura e até da política.

Publicado na revista LER de Março

David S. Landes, A Revolução no Tempo. Os Relógios e o Nascimento do Mundo Moderno. Trad. de Edgar Rocha. Gradiva, 544 págs.

    História.