No horizonte

Horizonte

Independentemente do apreço que me merece o seu primeiro mentor – no meio de outras boas razões, não esqueço, desculpem lá a pirosice, que ainda ouvi a Voz da Liberdade num rádio de pilhas e cantarolei E alegre se fez triste enquanto seguia de comboio para uma breve clandestinidade – declaro à cabeça que não aprecio particularmente o dialecto «alegrista». Ele conserva parte do reservatório temático do antigo ideário republicano e um «sentimentalismo de esquerda» que assenta mais na declaração mais ou menos nostálgica de princípios vagos do que num programa para a acção. Também me incomoda um pouco um discurso algo moralista que declara, e certas vezes alardeia, uma heráldica de valores cujo sentido a larga maioria dos cidadãos com menos de quarenta anos tem dificuldade em decifrar e, sobretudo, em utilizar. E, no entanto, tendo a olhar com simpatia o eventual aparecimento de uma força que, não oferecendo ao «alegrismo» um lugar central mas incorporando a lógica de anti-aparelhismo e de humanização da governação que lhe permitiu um tão flagrante apoio nas últimas eleições presidenciais, nos possa libertar do círculo vicioso dos símbolos repetidos. E que nos limpe, nem que seja apenas por algum tempo higiénico, da mancha de prepotência, sem desígnio ou vitalidade política, de um «blairismo» de fim-de-festa que o PS de José Sócrates tem continuado a destilar como uma peste. Basta essa vaga expectativa para justificar alguma atenção ao que parece mover-se no horizonte.

    Atualidade, Opinião.