Da ténue linha entre silêncio e indiferença

A propósito do encontro de organizações da extrema-direita que decorreu em Lisboa este sábado, voltou a circular uma ideia tão errada quanto perigosa. Aquela que, perante determinados acontecimentos controversos ou escolhas perigosas e condenáveis, ou então diante de boatos e de mentiras, considera que o melhor é não falar deles, não tomar uma posição clara e pública, não enfrentar quem os projeta, sendo preferível deixar passar o momento. Justificando-se esse ponto de vista com a errada lógica segundo a qual toda a referência pública que lhes seja feita estará a oferecer publicidade àquilo que não deveria tê-la. Supostamente, sem essa publicidade permaneceriam insignificantes.

Ressalvando casos muito especiais, nunca fui dessa opinião, e atualmente ainda o sou menos. Num tempo em que qualquer grupo ou indivíduo pode ter ampla exposição através das redes sociais e da televisão, quando a «mentira sob forma de verdade» se dissemina como um vírus, defender que os que exprimem posições consensualmente condenáveis – populistas, terroristas, fascistas ou simples criminosos – devem merecer a indiferença pública, é dar-lhes via aberta para se exprimirem na mesma, mas sem barreiras e sem contraditório. Sabendo-se que as redes trouxeram também consigo um enorme auditório de pessoas não habituadas à crítica e à argumentação, com um conhecimento frágil, muitas vezes crédulas, e por isso permeáveis a todas as influências.

Pode dizer-se que o episódio do encontro de extrema-direita foi menos importante do que chegou a pensar-se. Os seus atores refugiaram-se num espaço encoberto e terá congregado menos de cem pessoas. Mas pode isto descansar-nos e dar razão a quem defendeu que não deveria falar-se do assunto? É claro que não dá. Desde logo porque foi a preparação da contramanifestação que tirou aquela gente das ruas e a remeteu à sala do Hotel Sana. Depois porque foi um encontro orgânico, necessariamente reduzido no plano numérico, mas representativo de estruturas muito ativas e em crescimento na Europa. Finalmente porque existem sobejos exemplos da forma como elas estão a emergir com grande impacto, surgindo de um momento para o outro com grande capacidade de intervenção.

É verdade que estas iniciativas devem ser combatidas de forma ponderada, se possível aberta a consensos e na rejeição de posições sectárias, mas de modo algum devem omitir-se e deixar-se sem resposta, fazendo de conta que não aconteceram para não se lhes dar voz, pois é do silêncio assim instalado que se fabricam a ignorância e a indiferença. E, como já foi sobejamente provado no plano histórico, é destes também que em primeiro lugar se alimenta a serpente.

Fotografia: Reuters/Rafael Marchante
    Atualidade, Democracia, Opinião.