O nosso Havana Style

Havana

A decrepitude é um dos mais visíveis sinais da arquitetura civil da cidade de Havana. Há quem nela veja as marcas de uma certa honradez, exibida por quem prefere a caliça a esboroar-se e a água a pingar do teto a ver o regime mudar de azimute aceitando que nem tudo correu bem. Outros chamam-lhe patine, ligando-a à nostalgia da certa grandeza perdida. No entanto, para quem a habita, ela só seria verdadeiramente boa e aceitável se existisse uma possibilidade de escolha, ou pudesse considerar-se a vaga hipótese de mudar para um apartamento pintado de fresco, sem humidade e soalhos a ranger. Se pensarmos em como tanta gente se vê forçada a viver a vida inteira, cruzando aquele cenário de pobreza e decadência a pé ou em viaturas Buick ou Oldsmobile dos anos cinquenta, logo diluiremos a perspetiva romântica da Bela Havana que nos chega em bilhetes-postais selados com o rosto de José Martí. Trata-se afinal de uma beleza desconsolada, que lacera mais do que empolga, como o demonstra a vasta literatura habanera capaz de escapar à previsibilidade do diário Granma e aos estereótipos dos folhetos turísticos.

Talvez devamos, no entanto, habituar-nos a esse padrão de sobrevivência no triste cenário, que nos passou a caber, caracterizado pela decadência galopante das ruas e dos edifícios. Nos tempos que somos agora forçados a percorrer, os construtores civis, como os vendedores de mobílias de sala, de cortinados, de lustres ou de serviços de chá e de mesa, terão muito menos trabalho e clientes. Florescerão talvez as empresas de reparações e os armazéns de produtos baratos, especialmente se praticarem preços modestos e aceitarem sem grande dificuldade os pagamentos fracionados. Há pois um péssimo Havana Style que está a invadir os centros e as periferias das nossas cidades e vilas. E em breve, como acontecia no Portugal antigo que podemos rever em álbuns de retratos tirados ainda não há quarenta anos, a decrepitude voltará a fazer parte das paisagens de pobreza, descuido e marasmo que nos veremos forçados a habitar. Será essa outra das faturas que nos veremos forçados a pagar por aceitarmos manter a comissão liquidatária, sem norte claro ou uma ideia de futuro, que deixámos instalar sob a forma de governo.

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