As escolhas do Bloco

Fotografia de Márta Szabó

Há cerca de 14 meses, logo após o desastre eleitoral que o BE produziu e viveu nas legislativas de 2011, e em consonância com um debate público, alargado a não-militantes, que então parecia ir ter lugar, escrevi aqui quatro posts sob o título comum «O Bloco no seu labirinto». O tempo passou, a discussão parece ter-se escondido, e um conjunto de práticas então criticadas manteve-se aparentemente inalterável. Este texto retoma, resume e atualiza alguns dos argumentos ali avançados. Mas procura, pois agora só isso é urgente, olhar principalmente para o futuro.

Não me parece, ao contrário do que por aí se diz e escreve, que as dificuldades do Bloco de Esquerda, a clarificação das dúvidas sobre os caminhos que pisa, o esclarecimento público dos seus objetivos, passem necessariamente por mudanças profundas no núcleo dirigente. As escolhas, claro, são feitas por pessoas: elas têm rosto, traduzem percursos, sugerem as expectativas e as qualidades de quem as toma. Mas não parece existirem clivagens que imponham a troca de dirigentes com rodagem e com energia para cumprirem o seu trabalho político, por outros que, numa mera operação de cosmética, apenas poderão oferecer, como numa mudança de logótipo, uma imagem pública diferente. O alargamento e a renovação dos organismos de direção, a expansão da sua representatividade e colegialidade, o combate ao sectarismo que ainda se deteta, a ampliação dos militantes com formação qualificada, integram uma solução; já deitar fora ideias, experiência, dedicação, não tem necessariamente de fazer parte dela. A solução deve encontrar-se noutro lado.

Estará, em primeiro lugar, numa definição pública mais clara da linha política a adotar e na identificação da base social e orgânica que a sustentará. É necessário escolher entre a construção de uma alternativa socialista e democrática, voltada para a produção de convergências no campo da governabilidade, ou, em sentido oposto, na lógica de uma intervenção redentora, dirigida por uma minoria apoiada no papel de um Estado paternal e omnipresente. É preciso também esclarecer o espetro sociológico que se está em condições de reunir. No caso do Bloco, com toda a probabilidade, a depauperada classe média, os profissionais liberais desprotegidos pela crise, os professores e os estudantes sem um futuro à vista, os criadores depreciados e desapoiados, as novas e melhor formadas gerações de trabalhadores, os trabalhadores precários e os desempregados. Aceitando, ao mesmo tempo, que outros partidos e movimentos de uma esquerda ampla agregarão outros setores ou parte dos mesmos.

Estará, em segundo lugar, na reapreciação da política de alianças, fundamental para a construção de uma alternativa real à governação suicida e criminosa da direita. É preciso agregar forças para a produção de uma alternativa de governo, mas sem a exigência de o obter com base apenas nos próprios princípios, sem a construção de um programa comum, e recusando fazer quaisquer cedências («os outros que mudem» a nada leva). Só desta maneira poderão lançar-se pontes e colaborar ativamente, no curto prazo, com setores que podem protagonizar a alternativa – para além do Bloco, uma parte substancial do PS e do PCP, democratas não alinhados, organizações de cidadãos, sindicatos e associações profissionais, movimentos de natureza reivindicativa – e para uma solução democrática, solidária e adaptada a um modelo claro de desenvolvimento. A preparação desse programa comum exigirá a produção de consensos, mas também cedências de todas as partes. Só assim será possível produzir uma solução democrática, ultrapassando o autismo e o clientelismo do PS, superando a habitual «vertigem hegemónica» do PCP.

Em terceiro lugar, a solução estará na diversificação das áreas do combate político. O trabalho no parlamento e nas autarquias continua a ser indispensável, mas foi a importância excessiva que lhe foi atribuída a fazer recuar outras áreas de intervenção. Sabe-se que a escassez de quadros tem sido determinante nesta situação, pelo que será agora imprescindível uma atividade muito mais ampla e melhor organizada, promovendo, a todos os níveis, a capacidade para comprometer pessoas e apresentar soluções. Desde logo na «política de causas», que projetou o Bloco e lhe deu identidade mas foi sendo abandonada. Mas também no trabalho dentro do movimento sindical que tanto precisa de iniciativa e de renovação. Como numa intervenção visível e prioritária em áreas sociais críticas (as mulheres, os desempregados, os jovens, os aposentados, as minorias étnicas e sexuais, os imigrantes). Como na atividade associativa no domínio da intervenção cultural, das artes e da criação. Como numa ação menos errática no terreno da política internacional, na construção de um novo europeísmo, no desenvolvimento da aproximação norte-sul, na defesa não seletiva de uma ética e de uma prática dos direitos humanos.

E estará, em quarto lugar, na adaptação da organização, da direção e do discurso partidário aos renovados objetivos estratégicos e às novas linhas de intervenção, controlando, diversificando e modernizando a narrativa política e não deixando o discurso ir atrás das circunstâncias, da verborreia populista ou dos objetivos e códigos do passado. Isto faz-se em boa parte discutindo política sem preconceitos, de forma transparente, e aceitando toda a diversidade que não colida com os objetivos programáticos nucleares ou com a identidade democrática do partido. Será também importante, creio, a criação de uma política de quadros com formação elevada e especializada.

É verdade que é fácil pensar tudo isto a partir de fora, como um exercício, e materializar estas possibilidades requer evidentemente tempo, debate e força de braço. Mas sem esse trabalho de reflexão e vontade, mudem-se ou não alguns dos rostos que dirigem nesta altura o Bloco de Esquerda, o futuro do partido será o de permanecer uma força residual. Necessária e provavelmente simpática para uma parte da sociedade por «dizer aquilo que muitos sentem», e útil quando é preciso protestar, mas sem consequências para a vida e para o futuro que todos partilhamos. Não será isto, evidentemente, que desejam os seus militantes. Mas terão de demonstrá-lo inquietando-se, repensando-se, agindo.

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