Na Crimeia

Carga da Brigada Ligeira

Half a league, half a league, / Half a league onward,
All in the valley of Death / Rode the six hundred.
“Forward, the Light Brigade! / “Charge for the guns!” he said:
Into the valley of Death / Rode the six hundred.
Alfred Tennyson, 1885

Comecei ontem Crimea: The Last Crusade, o último livro de Orlando Figes, que comprei em versão e-book para poupar espaço na estante e descansar algum músculo, pois sempre são mais 600 páginas. Leio-o pelo prazer de saber mais sobre um acontecimento que conheci cedo, através de descrições em «livros de quadradinhos», e me atraiu logo por situá-lo então num território vagamente epopeico de acção e aventura, com episódios como a Carga da Brigada Ligeira, durante a batalha de Balaclava, o cerco de Sebastopol ou a acção humanitária de Florence Nightingale. Mas leio-o também por poder seguir de novo um historiador que tem o dom raro e invejável de combinar o rigor e a profundidade da pesquisa com uma capacidade narrativa absolutamente magnética.

A Guerra da Crimeia (1853-1856), no entanto, pouco teve desse imaginado espaço de heroísmo e valentia. Foi antes uma longa série de campanhas terríveis, opondo o agressivo Império Russo a uma coligação hostil que envolveu a Inglaterra, a França e o Império Otomano, batendo-se os dois exércitos pelo controlo de uma área, já então de grande valor estratégico, que ia dos Balcãs ao Golfo Pérsico. Só em combate fez cerca de 800.000 vítimas, para além de ter desencadeado no continente europeu uma espécie de «russofobia» que teve os contornos de um regresso ao velho e paranóico espírito de cruzada. Desta vez não apenas pelo controlo do acesso à Terra Santa, mas também destinada a conter o avanço do cristianismo ortodoxo ou a expulsar os turcos da região. Foi ao mesmo tempo um conflito moderno – o primeiro a ser extensivamente fotografado, a utilizar o telégrafo, a produzir um jornal destinado exclusivamente a cobri-lo – e uma guerra convencional, com o seu cortejo de soldados iletrados, de oficiais amadores e de enormes mortandades provocadas pela disseminação de doenças entre as tropas.

Apesar de existirem já outros estudos sobre o conflito, Figes olha-o aqui sob um ponto de vista bastante alargado, como jamais foi feito, tomando em linha de conta as diversas partes envolvidas, e considerando as circunstâncias e os efeitos numa dimensão geográfica que transcende bastante a área envolvida nas operações militares. Fornece-nos além disso uma vívida experiência dessa guerra simultaneamente próxima e distante, da qual, cento e cinquenta anos depois dos acontecimento, afinal restam mais vestígios do que seria suposto. Retirando-lhe o antigo halo de romantismo que excitou a imaginação de gerações de jovens ávidos de romances e de filmes de aventuras, mas, por isso mesmo, tornando-a mais humana e mais comovente, no seu desfile ruidoso e pungente de dramas, experiências e destinos.

    História, Memória.