Públicas virtudes

claustro

Em Figures des Femmes Criminelles, uma obra colectiva sobre mulheres criminosas publicada há meses pelas veneráveis Publications de la Sorbonne, aparece um artigo bastante curioso sobre crimes praticados por monjas entre os séculos XIII e XV, da autoria da historiadora Élisabeth Lusset. O tema em si não terá nada de assombroso: afinal, por que motivo não poderiam as numerosas comunidades monásticas femininas ser habitadas por uma certa quantidade de ladras, homicidas, incendiárias, falsárias, agressoras, difamadoras, receptadoras, violadoras das regras de castidade ou simples rufias? Aquilo que aqui se pode afigurar particularmente interessante não é pois a longa relação de práticas susceptíveis de culpa e a existência de uma punição aplicável às santas criaturas que a dado momento resolveram passar das marcas, mas sim a caracterização do próprio castigo: por regra, este era muito moderado, traduzido numa simples admoestação da criminosa ou na sua transferência para um convento razoavelmente distante.

Esta regra apenas era violada quando o crime tivesse sido tornado público. De facto, a preocupação maior das autoridades religiosas que superintendiam os processos manteve-se sempre ligada à necessidade absoluta de que nada do que ocorrera pudesse transpirar para fora das paredes do mosteiro. Se o secretismo do acto fosse mantido, a pena era quase sempre ligeira. Em 1492, uma tal Petrina de Bosser, monja de uma comunidade nos arredores de Milão, confessou ter dado à luz uma criança, que depois de baptizar matou e enterrou. Descoberto o crime e solicitado ao papa um perdão, este chegou acompanhado de uma esclarecedora precisão: como «o delito permaneceu secreto e a fim de evitar o escândalo», estipulava-se apenas que a referida Petrina fosse confiada «a um padre de reconhecida probidade», cuja função seria a de a reintroduzir no «bom caminho» pela via da intercessão espiritual. Os pecados ocultos, conhecidos apenas da criminosa e dos seus confessores, eram pois sistematicamente perdoados. Praticados por mulieres sanctae, que não podiam deixar de o ser, eles deveriam, acima de tudo, ser silenciados e esquecidos, de modo a não afectarem a respeitabilidade da própria Igreja.

    Apontamentos, História.