O ano que abalou o mundo

1989

Na manhã de 1 de Dezembro de 1989, a banda do Vaticano tocou de maneira vibrante A Internacional, logo seguida do hino papal. Mikhail Gorbachev, o líder do Partido Comunista da União Soviética, acabava de ser recebido por João Paulo II. Um encontro que sete ou oito meses atrás qualquer pessoa no seu juízo teria considerado impossível. Baseado numa longa experiência como repórter, em entrevistas e depoimentos de personalidades colocadas no centro dos acontecimentos, e ainda em material de arquivo inédito, o jornalista de origem húngara Victor Sebestyen descreve a sequência dessa meia dúzia de meses agitados e vertiginosos que mudaram o mundo de uma forma aparentemente inexplicável. Em Revolução 1989 mostra como toda esse imprevisibilidade se ficou a dever, em larga medida, à falta de informação, ou de reconhecimento público, de um conjunto de factores críticos que vinham cruzando já a realidade das «democracias populares», e como os factos se precipitaram bruscamente devido sobretudo ao processo da perestroika e ao desinteresse da nova direcção soviética pelos destinos dos Estados que os seus antecessores haviam tutelado ao longo de quase meio século.

A narrativa começa em Outubro de 1978, quando Yuri Andropov, então ainda só o dirigente máximo do KGB, foi informado da eleição papal do cardeal polaco Karol Wojtyla. Extremamente irritado, telefonou nessa mesma noite ao embaixador soviético em Varsóvia exigindo saber como fora possível a escolha para a cadeira de São Pedro de «um cidadão de um país socialista» desde há muito considerado «perigoso para nós». A premonição de que algo de muito sério poderia estar para acontecer iria rapidamente revelar-se certeira. A partir desse acontecimento-chave, Sebestyen procura então descrever os factores e os instantes centrais da mudança em curso, bem como as tentativas desesperadas dos regimes isolados e autoritários, atolados na corrupção e no descalabro financeiro, para a impedirem. Na Polónia em primeiro lugar, mas logo de seguida na Alemanha Oriental, na Checoslováquia, na Hungria, na Roménia e na Bulgária, sucederam-se então momentos críticos e de confronto, no decorrer dos quais se percebeu a total incapacidade de líderes isolados e cansados, como Honecker, Ceaucescu, Husak, Kadar ou Jivkov, para compreenderem a realidade mundial em transformação e actuarem em conformidade. Pior do que permanecerem fiéis aos princípios basilares da ortodoxia marxista-leninista, foi o facto de todos eles se mostraram incapazes de ultrapassarem o mais rígido imobilismo nas práticas de governação e no relacionamento com os cidadãos, tornando fatal a própria queda.

Revolução 1989 é uma obra objectiva, rigorosa e abrangente, que segue uma estrutura narrativa aliciante, pontuada por inúmeros episódios dessa «pequena história» que tantas vezes faz inflectir a sequência dos grandes movimentos políticos e sociais. Um instrumento de grande utilidade para quem pretenda compreender a velocidade, a dimensão e o eco da «primeira revolução televisionada da História». E um ano quente, de viragem, na nossa experiência colectiva.

Publicado na revista LER de Janeiro

Victor Sebestyen, Revolução 1989. A Queda do Império Soviético. Trad. de Alberto Gomes. Presença, 448 págs.

    Atualidade, História.