Pereira segundo Fonseca

Tomás da Fonseca

A recente canonização de Nuno Álvares Pereira envolveu a publicação de um grande volume de opiniões e de trabalhos – uns mais criteriosos, outros bem menos – que de um modo geral tenderam a fazer renascer a fantasia de um Condestável inquestionavelmente heróico. Insistindo quase sempre na evocação de uma personalidade na qual a defesa da nacionalidade, o despojamento pessoal e a piedade cristã caminhavam a par na construção de uma personalidade exemplar. Estudos históricos, como os de António Borges Coelho, que haviam chamado já a atenção para o seu perfil violento de senhor feudal foram, no contexto mediatizado que envolveu a decisão papal de converter Nun’Álvares em santo, liminarmente ignorados.

A reedição deste opúsculo de Tomás da Fonseca, anarquista, livre-pensador, edificador da I República e opositor do Estado Novo, vem reavivar na memória colectiva este lado menos agradável do Conde de Ourém. Escrito em 1932 para uma conferência pronunciada em Coimbra, provocatoriamente no Centro Académico de Democracia Cristã, na época um viveiro da direita universitária, visou opor-se ao processo de canonização já então em curso e celebrar a imagem de um Nuno Álvares «de vida longa, farta», histórico e não lendário, revelando-o antes como «um arrogante e um poço de vaidade, um mestre na arte de matar e de triunfar» confirmado, segundo o autor, por «todos os cronistas». Face a tanto exemplar disponível de uma História parcial, beata e oportunista, vale a pena voltar a este texto. [Tomás da Fonseca, O Santo Condestável. Alegações do Cardeal Diabo. Prefácio de João Macdonald. Antígona, 112 págs.]

    História.