Cepticismo

No último dia do ano, o Zé Neves deixou no Cinco Dias uma citação de John Holloway que exaltava a dimensão não-heróica do projecto comunista-radical no qual acredita. Nela se proclama que «o objectivo da revolução é a transformação da vida comum, quotidiana, e é certamente dessa vida comum e ordinária que a revolução deve surgir». Claro que a revolução da qual se fala aqui não é a messiânica (a dos tontos e dos exaltados) ou a golpista (a dos leninistas e dos oportunistas), ambas com R maiúsculo, que apenas valem pela transferência do poder e pela instauração posterior de uma liturgia sacralizadora do «acto fundador» e dos seus intérpretes. De forma diversa, Holloway fala antes da possibilidade de conceber e de instaurar uma ordem do mundo que exige uma perspectiva solidária e uma iniciativa radical em condições de ultrapassar essa «gestão do possível» da qual tanto gostam os reformistas. E que se não esgota na festa da vitória sobre a ordem velha. De acordo. Agora aquilo que não vislumbro é a possibilidade desse gesto refundador emanar naturalmente da vida de todos os dias, e das mãos de pessoas comuns, sem a intervenção de protagonistas organizados e mesmo de heróis que, como todos os heróis, ignoram a hesitação e a dúvida. Como ideia acho-a linda, embora como mapa do tesouro me pareça um tanto fantasiosa. A gestão da fantasia também faz parte da acção, bem sei, só que funciona mais como um pauzinho na engrenagem ou como balanço para o impulso. Não chega para tudo e dura muito pouco. Infelizmente, admito.

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