Da beleza e do medo

Robert Capa
Capa na frente de Segóvia (1937) – Gerda Taro, ©International Center of Photography

Originalmente em Os Livros Ardem Mal

Uma notícia sobre a descoberta de mais uma «mala mexicana» dentro da qual, ao longo de décadas, permaneceram guardados numa caixa de bombons 127 rolos de negativos de Robert Capa contendo cerca de 3500 fotografias que se julgavam perdidas, leva-nos a um dos temas recorrentes entre as representações visuais da história europeia dos últimos setenta anos. Mas a Guerra Civil de Espanha não legou apenas a memória dos seus episódios mais ou menos determinantes, mais ou menos dramáticos, ela alimentou também um lastro estético que se manteve perene no imaginário político das democracias e que, aparentemente sem evidenciar sintomas de fadiga, retorna a todo o momento. As canções de combate, os cartazes de propaganda, os documentários das actualidades cinematográficas, as fotografias que nos chegam, enunciam um pathos heróico, acentuadamente sedutor, que só a nostalgia de um tempo de causas vividas até ao limite e de convicções profundas de alguma forma justifica. E mesmo as imagens de dor e de ódio, tanto quanto as representações de um arrebatamento juvenil que ainda assombra, suscitam esse efeito. Por isso os resíduos do trabalho de Capa agora encontrados permanecem de alguma forma encantadores e capazes de intimarem a nossa atenção. E por isso também perturba um livro como Desertores. La Guerra Civil que nadie quiere contar, do jornalista e investigador Pedro Corral, construído, a contracorrente, sobre as recordações e os vestígios daqueles que de ambos os lados do conflito nos deixaram a percepção de um medo sem limites e de uma intensa vontade de sobreviver, que não ficaram até ao fim, que fugiram e se calaram para sempre. Desvela uma Guerra Civil destituída desse sentido épico e dessa dose de idealismo esteticizado que as velhas e as «novas» imagens do fotógrafo húngaro ainda parecem comunicar-nos.

    História, Memória.