Ester e Ruzya

Masha Gessen é uma jornalista russa cuja família emigrou em 1981 para os Estados Unidos com o objectivo de escapar ao anti-semitismo latente que marcava o quotidiano da União Soviética na era de Brejnev. Dez anos depois regressou à Rússia como correspondente e aí acabou por se instalar, vivendo actualmente em Moscovo. Em 2004 publicou Ester and Ruzya: How My Grandmothers Survived Hitler’s War and Stalin’s Peace, editado há cerca de um ano pela Alêtheia com a primeira parte do título infelizmente alterada para As Duas Babushkas. Este é uma daquelas «sagas familiares» que lança um olhar sobre as vidas singulares e conturbadas das duas avós da autora. Mas não se trata propriamente de um romance «de época»: o trabalho de Masha Gessen consistiu essencialmente em transformar em relato escrito as recordações verbalizadas das suas familiares, em pesquisar pessoalmente elementos que elas deixavam em claro, em confirmar alguns dos factos aos quais elas se referiam, e, finalmente, em inserir toda a informação num discurso que deixa a obra a meio caminho entre o romance e o texto memorialista.

Ester e Ruzya são duas mulheres russo-judias cujos destinos se viriam a cruzar, acabando por se tornarem amigas e confidentes. Uma nasceu na Polónia e escapou dos campos de concentração de Hitler por ter partido para estudar numa universidade da União Soviética, mas acompanhando também a mãe, entretanto exilada com toda a sua comunidade de judeus polacos para a Sibéria. Teve a coragem de se recusar a servir de informadora do NKVD, demitindo-se do Komsomol (a organização estatal para a juventude comunista) e vivendo na pele a obsessão antijudaica do regime, agravada nos últimos anos de vida de Estaline. A outra nasceu na Rússia, foi uma militante entusiástica do mesmo Komsomol e chegou a ser uma importante funcionária da censura literária imposta pelo Estado soviético. É muito interessante o relato da experiência diária de leituras vedadas à generalidade dos seus concidadãos. Do cruzamento destas duas vidas singulares resulta, para nós, um conhecimento quase testemunhal do quotidiano de muitos «pequenos intelectuais» nos tempos difíceis do apogeu das grandes experiências totalitárias do século passado. Leitura apaixonante e de utilidade para o aprofundamento de uma memória colectiva que transcenda a dimensão da paróquia.

    História, Olhares.