Sansão pode dormir descansado

Não tenho na certeza de ser dos carecas «que elas gostam mais», como afirmava uma popular marchinha do Carnaval carioca. Ou, pelo contrário, de acordo com o velho anúncio de um restaurador capilar, se afinal já não é deles «que elas gostam mais». Ou mesmo se «elas» serão «eles», ou se «eles» serão «elas». Sabe-se hoje que a calvície de padrão masculino afecta cerca da metade da população dos homens maduros, e, para além disso, que determinadas máquinas eléctricas muito fáceis de utilizar e de manter podem agora transformar qualquer cabeça numa versão hermafrodita de Yul Brynner, o actor conhecido por, entre as décadas de 1950 e 1970, encarnar personagens cujo exotismo requeria uma cabeça inteiramente calva. Assim aparece Brynner numa fotografia, por sua vez retirada do filme homónimo, reproduzida na capa da edição que tenho de Tarass Bulba, a história ficcionada do herói dos cossacos do Don, que Nokolai Gogol escreveu, Mário Braga traduziu e a Portugália editou no distante ano de 1964.

A ausência de cabelo já não pode agora ser associada à perda de poder e à submissão, ocorridas com os idosos, os prisioneiros e os soldados. Pode até ser instrumento de afirmação de um erotismo raro e energético. O novo Sansão deve temer a sua Dalila por outro motivo que não o inesperado corte cerce da sua indispensável guedelha. Mais do que nunca, o uso notório de cabeleira postiça passa por factor anti-higiénico de incómodo e de mau-gosto, que ridiculariza e marginaliza quem dele se serve. Inexplicavelmente, porém, um grande número de humanos continua a utilizá-las como recurso para esconder uma calvície que imagina incompatível com a imagem de eterna juventude ou de suposta virilidade que deseja preservar. Hoje, no ecrã de LED que preenchia quase por inteiro uma das paredes do restaurante onde almoçava sozinho, fez-me pena ver o aspecto patético de Burt Reynolds – já sem o vigor dos tempos em que era Caine no filme Shark!, de Sam Fuller – exibindo em público um capachinho feiíssimo e, como todos eles, completamente fora do tempo.

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