Da resistência das mulheres-leitoras

leitora

A deixa de Alberto Manguel tomada aqui como «frase do mês» («Ler será, no futuro, um acto de rebeldia») serviu de mote para um post do Rui Ângelo Araújo que me agrada desde logo pelo título. «Literatura, mamas e rabos» é assunto que me levanta sempre a moral, e verificar que não me encontro sozinho nos gostos mais profundos – a inveja será mesmo o único dos sete pecados mortais que não pratico – é coisa que sinceramente me apraz.

Comentar a frase de Manguel pode ser um exercício complicado. Até porque – não está ali mas está em tudo aquilo que o argentino diz ou escreve (e também na entrevista ao El País de sábado da qual a retirei) – ele se reporta a um tipo de leitura considerada pelo ex-guru do digital Nicholas Negroponte, há mais ou menos uma década atrás, como exercida no domínio dos «átomos». Em papel. Na forma de livro, de revista ou jornal. Será pois no território de sobrevivência deste género tendencialmente minoritário de leitura que Manguel parece conceber a constituição gradual de ilhotas de resistentes. Sobranceiros, eventualmente conservadores, estranhíssimos sem dúvida alguma, mas resistentes.

Mas o post dos Canhões de Navarone parte daqui para um outro assunto que fez soar em mim uma campainha. Para o poder referir, vou-me travestir por brevíssimos instantes de um daqueles simpáticos jovens que, a troco de alguns euros, efectua inquéritos para sondagens públicas. Pela parte do mundo que vou cruzando, e da qual vou mentalmente procurando anotar as práticas e costumes, sou levado também a concluir que as mulheres lêem mais que os homens. Ou melhor, lêem muito mais que os homens. Não sei se será por uma questão de sensibilidade, de distribuição mais racional dos horários, de inteligência, de concentração nas coisas essenciais, mas parece-me ser assim. E assim sendo, se o cenário se não alterar, um papel decisivo na condução da futura resistência dos humanos-leitores estará necessariamente nas mãos delas. Parece-me um belíssimo cenário e, se puder, cá estarei, junto com as minhas dioptrias, para nele partilhar a resistente existência.

    Devaneios.