Alien e Toninho

Estão a ver aquela criatura alienígena, altamente agressiva, que persegue e mata a tripulação de uma nave espacial no filme Alien, o 8º Passageiro, dirigido em 1979 por Ridley Scott? No enredo, a única forma de lhe sobreviver é destruí-la, já que na sua matriz estão uma agressividade congénita e uma vontade de morder, de matar, impossíveis de controlar, só saciadas do sangue e da carne de um ser humano se encontrarem outro a quem decepar, trucidar, mastigar e sorver. Agora imaginem que o realizador do citado filme de ficção científica era português e chamara Toninho ao monstro intergaláctico. Seria inevitável que em relação a um eventual desejo de vingança pelos crimes que este cometera se contrapusesse, entre os espetadores, um sentimento de culpa por num certo momento lhe quererem mal. Para mais sabendo-se, como se sabe, como quase todos os rapazes maus homónimos, os Toninhos humanos deste mundo, são recuperáveis, desde que se lhes dê, independentemente de serem ou não psicopatas, a dose certa de carinho e mais uma oportunidade.

Nesta balbúrdia, com ressaibos de violência e rancores mal resolvidos, que tem alastrado a propósito do eventual abate do cão que matou a criança de Beja, parte-se geralmente de um pressuposto erróneo, que o conhecimento científico e o inventário de numerosos exemplos deveriam impedir: o animal em causa não é um Canis lupus familiaris, um cão de guarda, caça, estimação ou companhia, pertencendo antes ao núcleo restrito da raça com uma propensão inata para regressar ao estado selvático. E com capacidade morfológica para facilmente matar ou amputar. Não penso que se trate, neste caso, de matar «por vingança», de não se gostar de animais, de não se ter coração e por aí adiante. Só a cegueira, a distração ou a ignorância podem levar a que assim se pense. Trata-se antes de aplicar uma incómoda mas provavelmente necessária norma de segurança. Em países como o Reino Unido ou a Austrália, entre outros, é aliás proibido manter estes animais como domésticos. Recordo ainda que a concretização de um ataque desta natureza é, de acordo com estudos existentes, sinal de provável regressão, com fortes possibilidades de uma recorrência periódica. Por isso não faz sentido tratar o irracional Zico como se trata um caniche que dá uma inocente mordidela na perna do dono, devolvendo-o sem mais à liberdade ou confinando-o a uma tutela capaz de servir de «colónia de recuperação». Talvez um dia seja possível fazê-lo, quando existirem conhecimentos e meios para recuperar estes e outros animais. Quando, finalmente, for possível, numa monótona tarde de domingo, passearmos dóceis tigres, amigáveis cobras-capelo e ternurentos falcões pelos corredores apinhados dos centros comerciais. Vai ser lindo.

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