Olhemos para eles

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Nem sempre concordei com algumas das metas, e sobretudo com muitos dos processos, que dominaram a luta estudantil desde os meados dos anos noventa, após o arranque aparatoso do movimento antipropinas em 1992-1994. Por essa altura, uma parte significativa dos dirigentes associativos empenhou-se numa fuga para a frente, subordinando os seus cadernos reivindicativos à exposição mediática, como se por si só esta legitimasse o seu esforço. Concentrados nos três minutos de fama dos telejornais, eles foram-se progressivamente concentrando numa lógica corporativa, esquecendo a grande maioria de estudantes que não se reviam no «aparelhismo» associativo, e outros sectores universitários, como os professores, geralmente encarados mais como «inimigos de classe» do que como possíveis aliados.

Observámos então actividades e «jornadas de luta» verdadeiramente patéticas, com escassas dezenas de estudantes encabeçados pelos seus «dirigentes» – sistematicamente rodeados dos microfones das rádios e das câmaras das televisões – a fecharem faculdades a cadeado, contra a completa indiferença, e até a animosidade, da larga maioria dos seus colegas, dos professores, dos funcionários e da opinião pública. Estive na época em reuniões horríveis, nas quais,  com muitos outros professores abertos ao diálogo e sensíveis a grande parte das preocupações estudantis, fui tratado como um perigoso adversário, jamais como eventual aliado. Vi ao mesmo tempo como a grande maioria dos alunos, incluindo muitos dos mais participativos, observava com o maior desdém a atitude dos que diziam falar em seu nome. O resultado era já previsível e em breve seria confirmado: o recuo e a desmobilização da prática reivindicativa, a reacção defensiva das instituições universitárias, o desinteresse gradual dos cidadãos comuns e dos próprios média, condenando a luta estudantil ao apagamento.

Vejo pois com interesse e expectativa a vaga de luta estudantil que parece reemergir do silêncio. Preocupada agora, pelo menos aparentemente, com causas que transcendem a dimensão estritamente casuística e corporativa e comportam um impacto social mais geral, como sejam a crítica do sub-financiamento das universidades e a progressiva exclusão dos alunos com menos recursos materiais. De facto, apenas as preocupações e as palavras de ordem que têm em conta os problemas colectivos podem retirar a luta estudantil do gueto para o qual se deixou empurrar, devolvendo-lhe o estatuto de movimento social forte e respeitado. Os estudantes em luta, nas escolas ou na rua, sempre foram um sinal de futuro, de ousadia, de esperança. Mesmo quando as suas razões e modus operandi pareceram, ou foram, discutíveis. Em momentos como o actual, quando a maioria das nossas instituições universitárias se preocupa sobretudo com a sua própria sobrevivência e os governos se habituaram a impor políticas economicistas sem grande resistência das autoridades académicas, a sua iniciativa é crucial. Olhemos então, de novo, para eles.

[Dois posts  de leitura recomendada: um de Hugo Dias e outro de Sandra Monteiro]

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