O fim dos bravos

Wellington

«Com mil demónios! Julgo que não teríamos conseguido se eu não tivesse lá estado!» A frase foi pronunciada pelo Duque de Wellington quatro dias após ter comandado as tropas britânicas, holandesas, belgas e alemãs na batalha de Waterloo, selando aí o destino de Napoleão Bonaparte. Evoca também o tema central de um livro de John Keegan, A Máscara do Comando, editado há já mais de vinte anos. Neste, era o soldado o protagonista, evocado na sua relação com a experiência directa da dor, da vozearia, do terror, da audácia e da exaustão espalhados pelos terrenos do combate. Ali é a figura do general ou daquele que assume o comando supremo que se encontra no centro, abordada pelo historiador a partir da leitura de quatro biografias e de quatro diferentes modelos de liderança.

Alexandre o Grande corporiza aqui o arquétipo do «herói». Um guerreiro que aparenta não ter medo, que dá o exemplo batendo-se de espada na mão na primeira linha do combate corpo a corpo, que é excessivo, teatral e de uma certa forma eloquente, ganhando a admiração dos seus e o temor dos adversários por arriscar permanentemente a vida e decidir sempre de uma forma rápida e na aparência inesperada. Já Arthur Wellesley, o Duque de Wellington, é o «anti-herói», que descrevia os seus soldados como «escumalha da terra», mas ao mesmo tempo se comportava como um gentleman disciplinado, minucioso nos seus deveres, invariavelmente sóbrio e contido, aparecendo e desaparecendo sem grande alarido dos locais mais críticos da batalha. O General Ulisses S. Grant surge então como um comandante «não-heróico», de certa forma democrático, que se via a si mesmo como alguém que não era muito melhor do que os seus homens e dirigia os combates com um charuto no canto da boca, às vezes embriagado, recorrendo a meios, como o telégrafo e o caminho-de-ferro, que alteravam radicalmente a condução das operações e o afastavam muitas vezes da linha de fogo. Adolf Hitler é aqui o «falso herói», que se apoiava, com recurso a uma propaganda meticulosamente organizada, na sua capacidade oratória, numa memória excepcional e na glória simulada de um passado de combatente na Primeira Grande Guerra – onde servira basicamente como estafeta – para chefiar, a partir de um bunker, operações que se desenrolavam a centenas ou mesmo a milhares de quilómetros de distância.

Do tratamento destes quatro padrões de comandante, associados a outras tantas formas de comandar, sobressai a percepção da chefia suprema do acto militar como actividade com uma forte componente cultural, capaz de associar os meios de combate e as opções estratégicas nele postas em prática a um padrão de comportamento, a uma «máscara», adoptada pela personalidade de quem os dirige. A atitude diante da condição heróica surge pois como dependente tanto da escolha individual como das condições objectivas impostas aos actos de guerra. Nas circunstâncias da era nuclear, a nova liderança, apelidada aqui de «pós-heróica», requer então uma actuação clara e racional que atribui ao chefe supremo das forças em confronto um papel menos central, embora não menos decisivo. «Outrora, os bravos terão sido aclamados em paradas triunfais pelas ruas de Persépolis. Hoje, os melhores devem esforçar-se por não assumir o papel de heróis.» A guerra contemporânea inutiliza e reclama o apagamento da velha ética do heroísmo.

Publicado originalmente na revista LER de Abril de 2009

    História.