Nada mudaram (p.s.)

1. Alberto Manguel escreveu que a leitura funda o contrato social. Levando o axioma ao limite, toda a recusa de uma oportunidade para decifrar um livro assinalará uma quebra do pacto que nos aproxima dos outros. Será isso que fizemos? Claro que não. Quando escolhemos livros que não mudaram a nossa vida ou a nossa percepção do mundo, e deixámos de alguma maneira implícito que os não recomendávamos, não proclamámos uma higiene radical e destrutiva. Aceitámos apenas que as nossas escolhas não têm forçosamente de depender de cânones ou de cartilhas.

2. Poderia ter optado por livros da área da não-ficção. Aqueles que, por interesse ou dever de profissão, mais leio e, muitas vezes, mais facilmente sou capaz de rejeitar. Muitos de pouco ou nada me servem, esqueço-me dos seus títulos, sou incapaz de os citar ou recomendar. Poderia ter escolhido alguns destes, claro. Mas não fui por aí porque também pouca não-ficção me marcou tão profundamente quanto me marcaram, talvez para a vida inteira, muitos romances e outras ficções.

3. O Luís Mourão levou a tarefa que lhe foi pedida tão a sério que resolveu escutar algumas vozes próximas. Gostei imenso do tom inquietante do seu início de resposta, e parece (?) que a procissão ainda vai no começo. O Francisco José Viegas entendeu explicar melhor porque respondeu ao desafio e, de certa maneira, porque respondeu como respondeu. Pode parecer uma forma de relativizar as suas escolhas, mas é, principalmente, um ponto de partida para outras coisas. A acompanhar, claro. A Carla Hilário Quevedo acha que estou a provocar quando cito o Corão, «um livro religioso». Mas cito dois, pois o Livro Vermelho também o foi. E se quisesse mesmo provocar teria referido a Bíblia Sagrada, o que a educação católica não me deixou fazer (de facto a Bíblia mudou-me, e muito).

4. Tão divertido como responder a estes inquéritos soft de Verão, é ver os caminhos ínvios e sinuosos que as nossas respostas (e as dos outros) certas vezes tomam. As malandras.

    Etc..