Uma tradução drôle

Li Drôle de Jeu há muito tempo. Numa edição francesa que um amigo me emprestou, convencido que a leitura do romance de Roger Vailland faria de mim – como o fez de muitas pessoas mais ou menos da minha geração – um verdadeiro militante das causas da esquerda e do antifascismo. Não foi o romance que formou as minhas convicções da época, mas li-o muito emotivamente, quase febril. Mais tarde tentei, sem o conseguir, comprar a edição portuguesa da Ulisseia, que saira em 1959 com um prefácio de José Cardoso Pires e que Hélder Macedo havia vertido para o português sob o título Cabra Cega. Já no final da década de 1980, a Europa-América lançaria uma outra tradução, que nunca vi mas sei ter mantido o mesmo título. E assim permaneceu identificado o romance de Vailland nos inventários de muitos milhares de leitores. Até que, neste Julho de 2007, os Livros de Brasil editaram Drôle de Jeu – com uma bela capa, aliás – intitulando-o… Jogo Curioso (!!!). Comprei o livro porque queria muito ter uma edição em português, mas ainda não comecei a releitura, pelo que não posso falar desta nova versão. A tradução do título, porém, não promete nada de bom. Ela é só por si qualquer coisa de lamentável e uma prova de ignorância do trabalho anteriormente feito. E se o tradutor pretendia reinventar o título – uma opção desde logo muito discutível e potencialmente enganadora – deveria ter em linha de conta que «drôle», significa estranho, bizarro, esquisito, singular. Jamais curioso.

[8/9/2007] Escrevo após a leitura desta nova edição (infelizmente, sem a possibilidade de a cotejar com o original). Não seria justo se não dissesse que os meus receios se mostraram menos fundados do que supunha. Esta versão lê-se com agrado, com raros momentos nos quais se nota que «alguma coisa» não está bem. Erro sistemático, que me é particularmente desagradável, é o uso – aliás, cada vez mais comum na linguagem coloquial – da palavra «encarregue» como particípio passado do verbo «encarregar». E permanece a questão do título: agora ainda me parece mais absurda a escolha do tradutor.

    Etc., Leituras.