Provocação

Uma palavra velha no ar, para legitimar a censura. A palavra é «provocação». O encenador Hans Neuenfels é «provocador» porque, no Idomeneo, colocou em cena as cabeças cortadas de Buda, de Cristo e de Maomé. O papa é «provocador» porque argumentou em nome da fé que julga «a verdadeira», confrontando os que consideram a sua como «a única». Lenine «provocou» quando escreveu O Estado e a Revolução. Saramago «provocou» quando criou uma nova leitura dos evangelhos. Stravisnky «provocou» quando produziu A Sagração da Primavera para os Ballets Russes de Diaghilev. Joyce e D. H. Lawrence «provocaram» quando escreveram Ulisses e O Amante de Lady Chatterly. Genet quando redigiu o Diário de um Ladrão. Rushdie quando lançou os Versículos Satânicos. Não constar do Index librorum prohibitorum será talvez, no limite, grosseira «provocação». Mas não existe criação, ou ideia inovadora, ou defesa coerente de uma causa, que vivam sem a suprema «provocação» de confrontarem outras. Dizer que não é conveniente porque, que não agora porque, que se deve silenciar porque, que pode ser chocante porque, é o argumento primeiro de todas as ditaduras e de todos os que desejam, ou admitem – o que é praticamente a mesma coisa -, um controlo «razoável» das consciências. Será que dizer uma verdade assim tão simples e tão essencial constituirá uma «provocação»?

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