Da servidão

Começa assim O Homem Revoltado: «Há crimes de paixão e crimes de lógica. Com uma certa dose de comodidade, distingue-os o Código Penal pela premeditação. Vivemos no tempo da premeditação e do crime perfeito. Os nossos criminosos já não são aquelas crianças desarmadas que invocam o amor como desculpa. Hoje, pelo contrário, são adultos, e o seu álibi irrefutável é a filosofia, que pode servir para tudo, até para transformar os assassinos em juízes». Publicado em 1951, o livro de Albert Camus marca a sua ruptura com Sartre, vinculando o ideal existencialista de liberdade à afirmação da autonomia individual e não tanto à integração do sujeito no movimento do colectivo, a qual ele acreditava conduzir ao estado de servidão. Por este motivo, Camus foi acusado de se haver passado para «a direita». As posições no interior de uma esquerda de matriz maioritariamente leninista omitiam, à época, a possibilidade da existência uma tirania do colectivo. Quase vinte anos depois da queda do Muro, os sucessores dessa tradição procuram ainda fugir à questão, vitimizando, se preciso for, alguns dos piores algozes da liberdade de opinião. Ou relativizando o valor da sua acção.

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