A tradução como crime

Comprei Um Olhar Sobre o Holocausto, livro já com alguns anos da historiadora e antropóloga australiana Inga Clendinnen editado agora pela Prefácio (Reading the Holocaust, Cambridge U. Press, 1999), onde esta examina testemunhos de sobreviventes como Primo Levi ou Charlotte Delbo. Não conhecia a edição original e, reconheço agora que um pouco ingenuamente, confiei no facto de a qualidade das traduções de livros editados em Portugal ter vindo nos últimos anos a melhorar bastante. O volume tem 302 páginas, mas abandonei-o num instante. É que não tinha assim tanta necessidade de o ler que justificasse o tormento que foi seguir a tradução assinada por A. Mata. E foi praticamente impossível descortinar um parágrafo que não contivesse frases inteiras absolutamente incompreensíveis ou vertidas para um português inenarrável, quase ilegível, desprovido do mínimo exigível de cuidado literário ou mesmo de sentido. Ao acaso: «Eu estava especialmente aterrorizada com os alemães porque eles claramente glorificavam a sua perversidade»; ou «apesar da similaridade dos motivos, as duas experiências estudadas [as duas Guerras Mundiais] tiveram resultados diferentes»; ou ainda «sobre o Holocausto eu não tinha nenhum sentimento de compreensão acumulada». Isto só nas primeiras duas páginas de texto. Continuando: «Experimentei opiniões académicas correntes», «face a uma catástrofe destas dimensões, tão propositadamente infligida, a perplexidade é uma indulgência», «os ciganos eram classificados como insociáveis», «os ciganos fizeram do esquecimento uma arte», «há um mistério principal sobre a compreensão», etc., etc., etc. Já agora: como pode alguém que simplesmente leia livros com alguma regularidade referir-se aos Romani (os ciganos do leste europeu) como Romanos? E parei na página 48, final do capítulo I, pois toda a paciência tem os seus limites.

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