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O espelho mágico

Facebook for two

Tal como aconteceu com milhões de pessoas, só em 2010 transformei realmente em hábito a experiência do Facebook. Tendo servido de batedor na utilização da Internet fora dos centros de computação, usando-a diariamente a partir de 1994, passei por diversas fases, tanto na rotina dos processos técnicos quanto nas vias e expectativas da comunicação partilhada que é a sua essência funcional. Primeiro foi o pequeno grupo de pessoas conhecidas, saído ainda das antigas redes universitárias. Depois um colectivo alargado, com uma dimensão territorialmente ampliada mas com um volume de participantes e de tráfego que assegurava um estilo próprio do grupo reservado. O grande salto veio de seguida, no período das revistas electrónicas – geri uma entre 1996 e 2002 –, com a tentativa de usar uma ferramenta barata para chegar a um grupo ampliado mas ainda identificável. A quarta etapa arrancou por volta de 2004, com a generalização do acesso à rede, a impessoalização de uma grande parte dos contactos e depois o crescimento da opinião partilhada introduzido pelos blogues. Ao longo das quatro etapas resisti sempre a participar nos modos de comunicação em tempo real, como chatrooms, o IRC, o MS Messenger ou, bem mais próximo, o Hi5. Para ser sincero, pareceram-me sempre espaços de conversa que substituíam de maneira bastante artificial a velha e calorosa prosa de café. Com a agravante, dada a ausência de rostos, de desresponsabilizarem as pessoas pelo que escreviam/diziam, dentro de um clima um tanto insalubre, pouco compatível com a reflexão, a reserva, o prazer e a disponibilidade de cada um.

O apelo do Facebook foi diferente. Apesar do carácter egotista e publicitário dos processos usados e de muitos dos conteúdos, apesar do apelo à atitude compulsiva que bastantes vezes projecta, apesar da capacidade para arremessar para o domínio do público aquilo que cada um até agora ciosamente guardava no campo do privado – «Facebook is watching you», avisava há tempos um título da Manière de Voir –, a diversidade de processos que combina tem permitido a construção de pequenas comunidades. Capazes, sobretudo antes de se chegar ao ponto em que o número de «amigos» ultrapassa o razoável transmutando o grupo em multidão, de partilhar experiências, prazeres, informações, ideias e causas. Philippe Rivière chamava-lhe há dias «espelho mágico», mas esta magia contém os mesmos dois flancos magnéticos de todas as magias: a manipulação e o encantamento. No entanto, não vejo no segundo nada de necessariamente negativo, desde que quem se deixe encantar o faça conscientemente e no uso da sua liberdade. Claro que já é mais perigoso e movediço esse lado obscuro dos «amigos» mirones que não escrevem mas registam o que escrevemos, que usam a plataforma como mera tribuna pessoal ou partidária, que ignoram a dimensão lúdica deste instrumento recuando diante da menor frase mais livre ou intimista. Mas nada disto é novo e onde há muita gente a complexidade humana sempre exponencia tanto as suas qualidades quanto os seus defeitos, aproximando, separando e reagrupando. No que me diz respeito, quando o registo informativo e questionador, divertido e cúmplice, deixar de ser possível, trocarei de arquipélago. Até lá, e enquanto o hábito não tolher a liberdade, acredito que me mantenho num caminho transitável. Com alguns recantos acolhedores.

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    Para dar o exemplo

    WikiLeaks

    Já todas as perspectivas concebíveis foram enunciadas a propósito do caso WikiLeaks e dos 250.000 documentos secretos disponibilizados pela organização ao El País, ao Le Monde, à Spiegel, ao Guardian e ao New York Times – curiosamente, o que não tem sido sublinhado, todos eles situados de alguma forma à esquerda do espectro político no panorama editorial dos respectivos países –, que os tratam e vão revelando ao mundo a gonta-gotas, de acordo com critérios e objectivos que só as suas direcções conhecerão. Um dos últimos pontos de vista, e também um dos mais divertidos, é o de Fidel Castro, para quem o episódio «pôs os Estados Unidos de joelhos» mas serve também os interesses de um punhado de meios de comunicação «pró-fascistas» que recorrem a ele «para atacar os países mais revolucionários». Entretanto, as primeiras abordagens foram naturalmente bastante simples e epidérmicas, e admito que um tanto distraidamente partilhei uma delas. Não a que antecipou um certo êxtase em relação à orgia de informação que se anunciava, mas antes aquela que nos primeiros dados avançados não via nada de mais, de particularmente novo ou de excitante. É verdade que senti, e continuo a sentir, alguma desconfiança em relação ao modo demasiado simples como tudo aconteceu e em relação aos interesses das partes envolvidas (incluindo nestas o trajecto e as motivações de Assange), mas admito que talvez tenha reparado mais no fumo do carburador do que nas condições de funcionamento do motor. Regresso pois ao assunto.

    A maioria dos artigos de jornal e dos posts surgidos em blogues distribui-se simplisticamente por dois grandes campos. O daqueles que vêm no vivaço trintão australiano um novo Che, talvez menos fisicamente atraente mas não menos bravo, e entendem que tudo deve ser dito a toda a gente. Embora alguns dos que defendem este ponto de vista ressalvem a existência de Estados com governantes gloriosamente antiamericanos onde o controlo da informação possa ser legítimo. E, do outro lado, o campo dos que entendem que os governos têm todo o direito de escolher o que é informação sensível e de a furtar aos olhares públicos, punindo quem se arrogue a dar com a língua nos dentes. Contra ambos, vejo antes o que alguns comentaristas avisados também já viram: uma coisa é o direito ao secretismo, que é uma prerrogativa de todos os detentores de alguma forma de poder e que nas questões de política internacional pode em muitos casos tornar-se inevitável, mas outra é o dever de os órgãos de comunicação livre darem a conhecer aos cidadãos as informações que lhes dizem respeito e às quais têm acesso. Por outras palavras: os diplomatas e os espiões devem ter cuidado na transmissão da informação sensível com a qual trabalham, mas se o não tiverem ninguém terá de fazer o seu trabalho por eles. Salvo, naturalmente, em situações extremas, quando a circulação de informação crucial pode colocar vidas em jogo. Não é este no entanto, visivelmente, o caso da larga maioria dos telegramas já conhecidos.

    O problema central, aquele que mais nos deve inquietar, bate justamente nesta tecla. Num artigo do último número da Wired escreve-se que «uma imprensa autenticamente livre, liberta de toda a consideração nacionalista, constitui manifestamente um problema aterrorizador, tanto para os governos eleitos quanto para os tiranos.» Uns e outros, distanciados das sociedades que governam e cada vez mais habituados a mandar por decreto, pouco ou nada atendendo ao valor da opinião pública, dão de barato que a boa governação e a boa diplomacia se fazem nas antecâmaras e nos corredores, não na praça pública, destinada apenas, idealmente, ao circo das grandes consagrações. E por isso tanto os incomoda, como incomoda os seus escribas e porta-vozes, que chegue «à cozinha» uma conversa que deveria ter sido mantida na discrição dos gabinetes. Claro que a WikiLeaks não é sinónimo de transparência, nem o seu rosto mais conhecido é propriamente um mártir da liberdade e da democracia radical, mas o que nos deve inquietar não são os resultados e as ondas de choque das suas iniciativas, para as quais quem tem nas mãos o poder dispõe sempre de boas almofadas. O que preocupa é que exista quem queira silenciá-las. Para que os vulgares cidadãos não se arroguem a meter o nariz onde não são chamados. Para que estes percebam que a liberdade de expressão tem limites, fronteiras determinadas por quem pode fazê-lo que «não devem ser ultrapassadas». E para dar o exemplo.

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      O prémio

      Capitão Haddock

      Nos meses longos e intensos que se seguiram à Revolução dos Cravos, a publicidade paga dos jornais encontrou uma invulgar fonte de receita. Muitos portugueses que por um qualquer motivo se viram acusados de terem sido agentes ou informadores da PIDE resolveram declarar em público a sua putativa boa-fé, atestando perante Deus e a Nação que jamais haviam pertencido à famigerada corporação. Um dos casos com mais impacto na época foi o do «Inspector Varatojo», que por se ter servido deste pseudónimo num programa da RTP sobre literatura policial e criminologia se tornou suspeito, como aconteceu aliás com alguns inspectores, estes dos verdadeiros, da Polícia Judiciária, das Finanças ou do Ministério da Educação, de ser agente da PIDE.

      Evoco este episódio por me ver envolvido numa situação relacionada com a nomeação para «blogger do ano» numa votação promovida pelo programa de televisão Combate de Blogs. Já aqui disse que distingo os presentes dos prémios e que me parece fazerem os segundos algum sentido quando se apoiam num colectivo e exprimem reconhecimento. Como me pareceu ser o caso, não me mexi e até estava a achar alguma piada ao lado puramente lúdico da iniciativa. Não me afligiu sequer a possibilidade longínqua de poder vir a ganhar o referido prémio. A Terceira Noite é um blogue individual, sem comentários – a média de acessos únicos diários desceu aliás quando por motivos de higiene mental acabei com eles –, escrito sem a intenção de falar para toda a gente e mais interessado em estabelecer laços com uma pequena comunidade do que em fazer doutrina e pôr os contadores a girar. Convenci-me por isso de que o número de pessoas que votariam em mim seria sempre residual. Limitei-me a tomar nota e a dormir sobre o assunto, visitando o site uma ou outra vez para acompanhar o jogo para o qual tinha sido convocado.

      Ora acontece que estando de início num honroso mas modesto lugar a meio da tabela, saltei de repente para um destacado primeiro lugar. Não pulei de alegria pois sabia que ninguém me iria dar um cheque com muitos zeros em caso de vitória. Bem pelo contrário, fiquei ligeiramente preocupado quando constatei que a esmagadora maioria dos votos tinha entrado de forma maciça algures entre as 4 e as 7 da manhã, hora na qual todos os gatos são pardos e, em Portugal, a maioria das pessoas sã de corpo e de espírito se dedica a pôr o seu sono em dia. Daí a correrem suspeitas públicas de se terem instalado «rotativas de IPs» (é quase certo, aliás) ou de eu me dedicar a pressionar cidadãos eleitores maiores e vacinados, foi um passo. Claro que tudo isto vale dois caracóis, mas admito que não gosto de ver-me envolvido em eventuais fraudes para alcançar um qualquer galardão.

      Como é evidente, as pessoas que estão na origem da votação nada têm a ver com os contornos deste episódio lamentável. Acredito por isso que compreendam ser legítimo que eu mantenha algumas suspeitas – se elas forem infundadas, tanto melhor, mas estou convencido de que o não são – e não goste de me ver atascado em terrenos pantanosos dos quais quero distância. Como diria o Almirante Pinheiro de Azevedo, nosso Capitão Haddock de carne e osso: «É uma coisa que me chateia, pá!»

      Adenda em 1/1/2011 – Espero não ter de voltar a escrever sobre este assunto (triste, embora não insignificante, dada a sua relativa visibilidade). Relato apenas um episódio que deixo à consideração de quem aqui chegar por causa dos ecos. Nas últimas horas da votação choveram mais umas chapeladas, tendo a última decorrido a segundos da meia-noite, quando seria suposto estar toda a gente a festejar a passagem do ano: nessa altura entraram mais de 200 votos, fazendo com que o meu nome cortasse a meta em primeiro e ao sprint. Como qualquer pessoa inteligente entenderá, só alguém completamente estúpido cometeria uma falcatrua tão óbvia em causa própria. Quanto aos objectivos de outrem, desconheço-os.

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        Kindlemania (5)

        ebooks/books

        Agora que pude usar durante umas quantas horas um iPad passei a tomar como certas algumas das diferenças que já me constava separarem as máquinas da Apple e da Amazon. Não creio, no entanto, que faça muito sentido procurar definir qual o melhor, se o iPad ou o Kindle, uma vez que se trata de aparelhos muito diferentes, com capacidades e objectivos inteiramente diversos. Aliás, fiquei seguro de que poderei vir a servir-me de ambos sem que a dupla escolha venha a impor qualquer tipo de sobreposição ou forma de ansiedade.

        O iPad oferece mil possibilidades, sendo a leitura de livros e jornais apenas uma delas. Para este efeito, existem numerosas aplicações, uma das quais é até nativa da Amazon, permitindo esta a qualquer leitor começar a ler um livro no Kindle, continuar num computador desktop, prosseguir num netbook e encerrá-lo no iPhone ou no iPad. As marcas deixadas num suporte serão automaticamente reconhecidas no outro. O monitor do iPad é maior e mais brilhante do que o do Kinde, sendo mais fácil, graças ao ecrã táctil, marcar as páginas, virá-las ou fazer anotações. Mas cansa mais os olhos. E dilui a atenção, tantas são as possibilidades ao alcance dos dedos. Além disso, a máquina da Apple é maior e bastante mais pesada do que o Kindle, sendo praticamente impossível segurá-la como a um livro se não a tivermos assente sobre uma mesa ou recostada num tripé adquirido como acessório. Ler na praia ou numa esplanada torna-se pois um tanto penoso, piorando a experiência se existir demasiada luminosidade exterior: o tão falado «efeito de reflexo» existe mesmo no iPad mas é, é mesmo, absolutamente inexistente no Kindle.

        Insisto pois: o leitor de e-books Kindle aproxima-nos do livro tradicional, cuja abordagem facilita bastante ao libertar-nos de algumas das suas limitações; já o tablet iPad leva-nos para uma dimensão diferente, na qual a cor, o movimento, o hipertexto e o hipermédia, a comunicação com o exterior em tempo real, implicam outra forma de ler, de ver e de interagir.

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          Kindlemania (4)

          Kindle

          O meu «Livro da 1ª Classe» chegou antes de entrar na escola primária e foi na verdade o Diário de Notícias e O Primeiro de Janeiro. Desde que me habituei a eles, e o vício pegou rapidamente, não mais passei um único dia sem a companhia amiga de um ou de vários jornais. Mesmo em viagem ou em férias, mesmo a viver em sítios isolados, mesmo sobrecarregado de trabalho, doente ou em teatro de guerra, sempre arranjei forma, nem que para tal precisasse de andar léguas ou de pedir a ajuda de alguém, de alimentar a mania da informação em papel. Neste caso, a rádio, a televisão ou a Internet nem por um segundo me fizeram mudar de hábitos, sendo o resultado prático da combinação de uns e de outros uma sobredose de informação da qual não me queixo. No entanto, acreditem ou não, o uso do leitor de e-books da Amazon está a fazer-me mudar.

          Resolvi assinar a versão para o Kindle do Público e do El País, cuja versão em papel conto limitar, a partir de agora, aos dias em que num e noutro se publicam o Ípsilon e a Babelia, suplementos não disponibilizados na versão em tinta electrónica, ou quando saia alguma matéria especial. A decisão resulta de dez dias consecutivos de experiência, durante os quais percebi que a leitura no ecrã de 6 polegadas se adapta muito bem a um padrão que me agrada. Perde-se, é verdade, a leitura panorâmica e o impacto da cor e da imagem, mas ganha-se imenso em capacidade de concentração no próprio texto: não mais perdi uma notícia devido à dispersão dos títulos, as palavras ficam mais próximas dos olhos como as da página de um livro ficam mais próximas de nós do que as de uma folha de jornal impresso, e, sem esforço algum, às 7 da manhã, chova ou faça sol, tenho ambos os jornais automaticamente despejados dentro do leitor, por um preço conjunto que não ultrapassa os 20 Euros ao mês (comprando os dois diários em papel gasto quase quatro vezes mais). Quanto ao «cheiro das notícias», o problema não existe mais, pois de há muito que os jornais em papel deixaram de o ter. Garanto que estou bastante contente com a troca e que, até agora, nem por um minuto tive um acesso de delirium tremens ou me bateu a nostalgia. Vamos ver se não mudo de ideias.

          P.S. – Um aspecto importante: estas edições dos dois diários não comportam publicidade.

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          [continua]

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            Kindlemania (3)

            Ainda o Kindle

            Mais cedo do que contava, mas em parte porque me têm chegado algumas perguntas de pessoas que estão a ponderar comprar também o Kindle 3, aqui ficam algumas notas práticas sobre o funcionamento do aparelho e a experiência que nestes curtos quatro dias fui acumulando. Relembro que se encontram outras informações no primeiro e no segundo dos posts que já escrevi sobre o assunto.

            # Insisto num aspecto no qual a Amazon também insiste. Na mensagem que acompanha a própria máquina, lembra Jeff Bezos, o CEO da empresa, que o objectivo é fazer com que o Kindle «desapareça nas nossas mãos», melhorando a velocidade de acesso, a facilidade de aquisição e a capacidade de armazenamento fruídas pelo leitor, mas sem quebrar a «capacidade de dissolver a relação ruidosa com o mundo exterior» que é própria da concepção de leitura que a empresa privilegia. Logo, não se trata de um computador com «bells and whistles», mas sim de uma espécie de gabinete de leitura. A ausência de cor leva também, falo por mim, a um aumento da capacidade de concentração.

            # É verdade que senti rapidamente a falta da possibilidade de copiar texto e de o enviar por mail para alguém (ou para mim próprio), mas a ideia é mesmo essa. Estão a ver: ninguém manda mails através de um livro em papel ou de um jornal. Uns amarão, outros odiarão. Estou tentado a inclinar-me mais para o campo dos primeiros.

            # Sim, podemos ler textos em formato PDF, DOC, HTML e outros. No entanto resulta melhor se usarmos um programa de conversão para o formato Kindle, como o Calibre ou mais uns quantos. Este é gratuito e funciona de forma eficaz e transparente. Mas alguns repositórios de textos, como o do Projecto Gutenberg, têm já versões formatadas directamente para serem lidas nesta máquina.

            # Estou a gostar imenso de ter todas as manhãs no Kindle, por volta das 7 horas e sem mexer uma palha, a edição do El País (sem a maior parte das imagens e sem os suplementos semanais). Fica em cerca de 11 Euros mensais, o que não é nada caro. A New York Review of Books custa 4. Mas podemos sempre testar 14 dias antes de fechar o contrato. E anulá-lo a qualquer momento.

            # A duração da bateria depende do uso, naturalmente. Estou a usá-la de maneira intensa desde há perto de 80 horas, sempre com o Wi-Fi ligado, e tenho ainda uns 60 por cento da energia disponível. Se se mantiver o ritmo, uma utilização intensa e constante dará para trabalhar uns 10 dias sucessivos sem carga. De acordo com as notícias que chegam, se desligarmos o mesmo Wi-Fi e usarmos tudo de forma moderada este prazo dilatará até às três semanas ou mesmo a um mês. Além disso, a bateria não reproduz o conhecido efeito de «viciamento», tão comum nos computadores portáteis e nos telemóveis.

            # Se comprarem, não esqueçam a capa. A da própria Amazon, em pele, é perfeita pois protege, quase não aumenta o volume (é como ter um caderno Moleskine clássico na mão) e amplia a sensação de «leitura física».

            Espero poder fazer um último post sobre o assunto quando tiver um grau de utilização já razoavelmente consolidado. Para já, e sem favor, 4 estrelas em 5.

            [continua]

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              Kindlemania (2)

              O Kindle e o amigo

              Cumprindo o prometido, passo a relatar as primeiras impressões do meu contacto com a máquina-Kindle e com aquilo que com ela é possível maquinar.

              Começo pela maneira como tudo aconteceu. Fiz a encomenda à Amazon americana por volta das três da manhã desta Segunda-Feira e às nove e meia de Quarta já a campainha tocava para o estafeta da DHL fazer a entrega. Tudo rápido e transparente – pude seguir o trajecto do volume a partir de Cincinnati, Ohio, através do Atlântico e meia Europa fora – superando em eficiência o melhor que poderia esperar. A abertura da caixa fez crescer a boa impressão: o aparelho é ainda mais bonito e leve do que a propaganda anunciava, e a capa em pele, vendida pela própria Amazon, adapta-se perfeitamente, quase sem aumentar o volume do aparelho. Ajuda aliás a criar a sensação de se ter nas mãos uma coisa viva, que se nos cola à pele como o velho livro em papel, e que não é bem aquele tipo de objecto cheio de tecnologia capaz de se descontrolar. Os comandos são simples, intuitivos, fáceis de utilizar e fui capaz de automatizar a maioria dos passos fundamentais em pouco mais de 24 horas de utilização.

              É preciso entretanto notar duas coisas importantes. Em primeiro lugar, que o Kindle não é um computador. Serve apenas para ler, encomendar livros electrónicos e tomar notas sobre os mesmos. Não é retro-iluminado e não tem reflexo (quanto mais luz sobre o ecrã incidir melhor se lê), não faz qualquer ruído em stand by ou a trabalhar, salvo um pequeníssimo clique que assinala o virar de página, quase não precisa de energia (parece que um utilizador intensivo pode passar três semanas sem ter de o ligar à corrente). Em segundo lugar, que o Kindle não é uma imitação do livro em papel. A relação física é bastante diferente, o processo de habituação demorará inevitavelmente algumas semanas, e, evidentemente, existem coisas que fazemos com os livros em papel desde os meados do século XV e que aqui não são nem serão possíveis. Ou pelo menos não podem fazer-se da mesma maneira. Nomeadamente os processos de anotação e consulta – mais até do que de leitura – que precisam ser reaprendidos ou reinventados em termos de técnica e de rotinas.

              Para já, o mais complicado é mesmo resistir à possibilidade de, com um só clique, comprar livros, jornais e revistas atrás de livros, jornais e revistas. Sob este aspecto, e para além do domínio do inglês – é provável que a explosão da oferta de conteúdos nas outras línguas mais faladas ainda demore dois ou três anos a acontecer –, o limite é a conta bancária. Por isso há que ter juizinho e ver bem onde é que metemos os dedos para não nos entalarmos. Daqui por umas semanas ainda voltarei ao tema, nessa altura com mais alguma experiência acumulada.

              [continua]

                Cibercultura, Etc.

                Kindlemania (1)

                Foi você que pediu um Kindle?

                Depois de algumas incertezas, de sondar dezenas de sites e de pedir a opinião de uns quantos utilizadores com quem espero não ter de me incompatibilizar, deixei domingo passado na Amazon a nota de encomenda da última versão do Kindle, o leitor de e-books. Sou e manter-me-ei um amante crónico e um tanto depravado dos livros em papel. Tenho bem para cima de seis milhares e não há semana em que não me entrem em casa uns quantos mais. Mais até do que aqueles que consigo ler. Mas a falta de espaço, a obrigatoriedade da redução de custos, a necessidade de aceder «na hora» a determinadas obras, a hipótese de poder meter 3.500 volumes num prato da balança e 247 gramas de contrapeso no outro, fez com que me decidisse. Ao mesmo tempo, se é verdade que gosto muito de livros, é verdade também que gosto acima de tudo da leitura, e esta é uma experiência, este é um campo, que vive um tempo de rápida mutação de processos e de paradigma. Não sinto que tenha a obrigação de participar dela, mas apetece-me acompanhar o que acontece. Mantendo uma vida dupla, evidentemente.

                Como sei que algumas das pessoas que se dão ao trabalho de passarem habitualmente por este blogue partilham ou podem vir a partilhar da mesma dúvida que antecedeu a minha decisão, resolvi deixar aqui algumas notas sobre as primeiras experiências que for tendo com o novo brinquedo que – recebi agora mesmo um mail de confirmação do envio – vem já a caminho. Prometo, com a mão que quiserem sobre o livro sagrado que escolherem – formatado em papiro, pergaminho, papel, bits ou e-ink – que a respeito do tema apenas direi a verdade e nada mais do que a verdade. Entretanto, enquanto vou esperando que me bata à porta o estafeta da DHL que trará a encomenda, adianto as razões que fizeram com que eu tenha escolhido esta máquina e não uma outra.

                Para não me perder por atalhos escusados e em pormenores que apenas interessam a geeks, começo por responder à pergunta inevitável: porquê o Kindle e não o iPad, a máquina da Apple que aparece na capa de todas as revistas e suplementos, concorrendo com Cavaco Silva, Jon Stewart e a Lady Gaga. Directo ao essencial: 1) Um, o Kindle, destina-se apenas à leitura silenciosa, privada, que é aquela que procuro; o outro associa-lhe o e-mail, a música, o browser e milhares de aplicações que a todo o instante desviam a atenção (para isso tenho o iPod, o iPhone, o netbook e o tradicional desktop…); 2) Um tem uma tecnologia de escrita e leitura (a e-ink) que me asseguram cansar menos até do que o papel, o que não se passa com o iPad; 3) Um pode ser lido ao sol (parece que até se lê melhor com mais luz), enquanto o outro reflecte a nossa cara se lhe bate uma luz mais forte; 4) Um quase não consome energia, precisando a bateria de uma única carga mensal, o outro aguenta-se, no máximo, dois dias; 5) Um dispõe de um volume de oferta, em número e qualidade dos títulos disponíveis para compra ou descarga grátis, incomparavelmente superior ao outro; 6) Um, o Kindle topo de gama (3G e Wi-Fi), custou-me cerca de 200 Euros, incluindo os portes a partir dos Estados Unidos, o IVA, a taxa de desalfandegação (tratada pela própria Amazon) e uma capa de protecção em pele, enquanto pelo iPad, também topo de gama, pagaria no mínimo cinco vezes mais. Claro que para outras actividades ambulantes o iPad é superior: tem um ecrã maior e a cores (o do Kindle é em 16 tons de cinzento), em breve será multitarefas e nem sequer lhe falta falar. No entanto, para o que me interessa neste particular, prefiro um e-book solícito, sossegadinho e ultra-portátil.

                Agora há que esperar para ver se arranjei mais uma maneira de alimentar o vício, ou, pelo contrário, se enfiei um enorme barrete. Mas depois de tanta consulta, de tanta pergunta feita e respondida, de tanta ponderação, muito mau seria para a minha auto-estima e para a minha carteira se tal acontecesse. I cross my fingers.

                Adenda às 18H45 do dia 9, Terça-Feira – Fiz a encomenda no domingo à noite e a DHL acaba de me telefonar para comunicar que amanhã, durante a manhã, ela me será entregue. Cincinnatti (Ohio) – Louisville (Kentucky) – Colónia – Porto – Coimbra em pouco mais de 48 horas. A Amazon não brinca em serviço. |  Adenda às 09H23 do dia 10, Quarta-Feira – Já chegou.

                [continua]

                  Cibercultura, Olhares

                  Seinfeld e o Facebook

                  Seinfeld

                  No mundo antigo, organizado à volta das relações de parentesco e dos laços dinásticos, as afinidades electivas, as amizades, eram excepcionais, aparecendo muitas vezes, justamente por isso, como subversivas. O cristianismo tentará eclipsar este tipo de ligação ao colocar como modelo a relação individual com Deus. Por isso também, as comunidades monásticas afastaram a amizade das regras do seu quotidiano: as ligações privadas representavam uma ameaça para a coesão do grupo e para a fé. Os humanistas, porém, retomaram-nas, construindo a primeira rede pan-europeia assente na fidelidade pessoal e numa aproximação de valores e de sensibilidades, que mantinham recorrendo principalmente à correspondência privada. Já a Revolução Francesa emancipou o valor da aproximação pessoal ao colocar a fraternidade como uma das suas divisas nucleares. A cultura da amizade de grupo chegaria décadas mais tarde, associada em parte à extensão do sistema escolar e ao serviço militar obrigatório e universal, criadores de espaços e de tempos de aproximação. Terá atingido o seu zénite nos anos sessenta, permanecendo como um vestígio ainda atraente por volta de 1989, quando arranca a série televisiva Seinfeld. A coesão do grupo dependia aí, em primeiro lugar, das cumplicidades assentes no relacionamento diário, directo e pessoal, entre aqueles que o compunham.

                  Não sei se existe ou não uma linha de continuidade, nesta narrativa flash da amizade, com o universo dos «amigos» que todos os dias fazemos entre os mais de 520 milhões de habitantes – a larga maioria composta por mulheres, vá lá o Diabo explicar o porquê – que povoam o mundo-rede do Facebook. Parece que a média por pessoa é de 130 afectuosos companheiros e amorosas parceiras, o que só por si nos remete para esse conceito de «salto qualitativo» utilizado nos catecismos do materialismo dialéctico para significar uma alteração efectiva do estado das coisas. Significará esta multiplicação de «amigos» o futuro da amizade? Por mim, admito que a maioria dos quase 500 que tenho me aparece como um vulto. Simpático muitas vezes, sobretudo quando salta da penumbra e lhe oiço a voz, mas um vulto. Isto se excluir a quantidade de voyeurs e exibicionistas que passa no horizonte, muitos deles mais empenhados em multiplicar audiências do que em agregar empatias. Mas há mesmo, por ali, pessoas que não conhecemos em pele e osso e de quem, até prova em contrário determinada pelo feitio, o penteado ou o mau hálito, gostamos ou acreditamos que gostamos. Com elas, e com algumas das outras, vamos cruzando gostos e cumplicidades, defendendo causas de outro modo perdidas, trocando informações úteis e frases calorosas que só ali nos saem do tinteiro. Será isto «amizade»? Ou apenas, nesta sociedade atomizada, com as referências vindo e partindo em perpétuo movimento, «uma tentativa de encontrar um sentimento de pertença a um colectivo», como escreve a socióloga Stéphane Hugon? Assistimos ali à construção de relações de proximidade que partem do colectivo para o indivíduo e não o contrário? Pode ser esta a chave para entender a mudança? Se for assim, não será mau de todo. Basta adaptarmo-nos. E ir aproveitando os restos do mundo arcaico feito de afectos conquistados com a epiderme. Afinal Jerry Seinfeld, George Costanza, Elaine Benes e Cosmo Kramer não se conheceram no Facebook.

                  [Vem um bom dossier sobre este tema no número de Outubro da revista francesa Books.]

                    Apontamentos, Cibercultura, Olhares

                    notas & recados

                    Correio

                    #10 – Depois do passamento do Technorati, aquela ferramenta crucial que permitia aos bloggers localizar as citações ou referências que lhes eram feitas noutros blogues, eis que chegou a vez do Bloglines desaparecer. Falo do agregador de feeds, bem melhor do que o Google Reader, que nos deixava controlar a edição de posts nos blogues preferidos. Alguma coisa se está a passar e provavelmente seremos os últimos a saber do que se trata, o que é próprio do blogger traído, mas entretanto vamos ficando mais pobres. [Aos leitores que usavam o Bloglines para chegarem aqui, sugiro que guardem os seus links e migrem para outro serviço. Este fechará a 1 de Outubro.]

                      Atualidade, Cibercultura

                      Um preço a pagar

                      yes no

                      Publicado originalmente, por convite, no Delito de Opinião

                      A palavra vilipêndio quase desapareceu do nosso vocabulário. Chegou do latim vilipendĕre, composto de vilis, vil, e de pendĕre, considerar, estimar. Exprime uma atitude de menosprezo em relação a alguém. Quando tornada pública, deprecia a pessoa a quem se aplica. Não se limita a expor divergências, a contrariar opiniões: aplica-se ad hominem, contra a pessoa, servindo-se discricionariamente das palavras ou dos juízos que a possam diminuir perante os outros. Neste caminho, o vilipêndio é insulto e difamação, pois não existe qualquer intenção argumentativa. O objectivo é um só: apoucar, amesquinhar, retirar ao outro qualquer estatuto de dignidade. No limite, procurar que este perca todo o crédito, de modo a que se torne fácil isolá-lo, silenciá-lo, escondê-lo, fazendo com que muitas pessoas, honestas mas desavisadas, se recusem a lê-lo ou a ouvi-lo. «Ah, aquele tipo! Um sacana!».

                      Não se trata de uma prática recente, obviamente, mas ganhou maior destaque social a partir de Oitocentos. Associada à explosão da imprensa periódica pôde então ampliar o seu efeito, servindo muitas vezes para arruinar carreiras, motivar processos judiciais, forçar duelos com um final pouco feliz. O novo meio ajudou aliás a «impessoalizar» o vilipêndio, uma vez que o seu autor passou actuar por detrás de uma cortina, ou de uma almofada, fornecida pela publicação que acolhia os ataques pessoais. Já no século XX, os servidores dos sistemas totalitários e os sectores políticos que se presumiam detentores da verdade, fosse ela «histórica» ou «científica», recorreram de um modo sistemático a este processo, apoiados na impunidade que os sistemas lhes ofereciam e na impossibilidade de exercício do contraditório.

                      Na antiga União Soviética, o método foi aperfeiçoado e usado de forma contínua a partir do final da década de 1920, fundando-se nele o processo de diabolização e de apagamento de figuras que tinham sido determinantes na própria construção do poder bolchevique, como Trotsky, Radek, Zinoviev, Kamenev ou Bukarine. No Portugal de Salazar como no Chile de Pinochet, qualquer opositor era «comunista». Na Cuba do presente todo o acusado de dissídio é publicamente rotulado de «agente da CIA» ou, no mínimo, de «anti-social». E mesmo na Europa democrática o método foi recorrentemente aplicado na tentativa de isolamento e diminuição de figuras num dado momento consideradas pouco ortodoxas, como Léon Blum, George Orwell, Albert Camus, Hannah Arendt e Raymond Aron, cuja «lenda negra» ainda hoje perdura em alguns ambientes, tal o volume, a constância e o impacto das injúrias e manipulações das quais foram objecto.

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                        Cibercultura, Democracia, Opinião

                        O meu Facebook tem a mania

                        Facebook

                        Admito que a minha vida no Facebook está a ser um pouco difícil de gerir. Primeiro inscrevi-me por motivos profissionais, trocando raras mensagens com três ou quatro pessoas. Depois chegaram os amigos próximos e distantes. E os familiares directos ou afastados. Lá fomos convivendo todos naquele barco azul, num clima simples e descontraído. De seguida as pessoas a quem (presumo) de vez em quando interessa o que eu possa dizer. E aquelas pelas quais eu me interesso. De quem gosto ou de quem penso poder vir a gostar. Até aqui, tudo bem também: fui mandando uns bitaites num ambiente informal, trocando umas ideias, partilhando prazeres moderados e pequenos ódios, vendo e dando a ver. Sem problemas, num registo por vezes intimista, algumas vezes delirante. Mas nas últimas semanas estão a chegar às dezenas pessoas que não conheço, que não são amigas dos amigos, de quem nada parece aproximar-me – certas vezes, olhando o seu perfil, antes pelo contrário – pelo que a algumas destas, lamento, declino o pedido de «amizade». Quero continuar a passar por ali um pedaço giro do dia e da noite. Ou a queixar-me sem pensar se o devo ou não fazer. Não a aborrecer-me ou a ter de fazer de conta. Se fosse político profissional, pop star, vendedor da televisão por cabo ou o arcebispo de Cantuária, lá teria mesmo de falar com toda a gente, beijar criancinhas com xixi, convencer as sombras do meu perfil fidedigno, evitar «expor-me» em demasia, fazer «amigos» e conhecer pessoas aos magotes. Como não sou, em casos pontuais terei de reservar o direito de admissão. Claro que assim jamais chegarei a Presidente da Junta, mas a liberdade paga-se.

                          Cibercultura, Etc., Olhares

                          Um olhar participativo

                          Cultura-mundo

                          Ultrapassado o tempo no qual a cultura era observada como um sistema completo e coerente de elucidação do mundo, expirada a época da separação rigorosa entre cultura popular e cultura erudita, entre uma «civilização» das elites e a «barbárie» popular, eis que mergulhámos todos numa terceira fase histórica. A cultura transformou-se agora em mundo, na cultura «do tecnocapitalismo planetário, das indústrias culturais, do consumismo total, dos media e das redes digitais». Em A Cultura-Mundo. Resposta a uma Sociedade Desorientada, Lipovetsky e Serroy observam o fim da busca do sentido último das coisas, das classificações hierarquizadas, substituídas agora pelas redes, pelos fluxos, pelo mercado sem limite ou centro de referência. Todavia, «os novos tempos hipermodernos» não são aqui enfrentados com pessimismo, sendo antes observados como um território de acção e descoberta, num mundo cuja circunferência está em toda a parte e cujo centro não se encontra em lado algum. A infindável abundância de escolhas, de possibilidades de consumo cultural, permitirá assim, a cada sujeito, a produção de um universo de opções, fazendo com que o comércio de influências convenientemente programadas possa, em determinadas circunstâncias, funcionar como um instrumento libertador. A cultura-mundo desenvolve-se agora em campo aberto, podendo «mobilizar a inteligência e a imaginação dos seres humanos» e não congregar apenas o pessimismo e o ódio dos que a observam a partir de pontos de vista que já prescreveram. É preciso participar nela desenvolvendo as suas virtualidades democráticas e emancipatórias, e não ensaiar a tarefa de a destruir na tentativa vã de ficcionar uma regressão no tempo. [Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, A Cultura-Mundo. Resposta a uma Sociedade Desorientada. Trad. de Victor Silva. Edições 70, 248 págs.]

                            Atualidade, Cibercultura, Olhares

                            notas & recados

                            Correio

                            #3 – Um blogue fantástico, construído a partir de uma ideia aparentemente simples, é O Silêncio dos Livros. Só imagens, só as imagens dos outros, omnipresentes e evocativas. Com os livros em papel e a leitura como leitmotiv. Até apetece largar o computador e desatar a ler por aí. Sem Kindle ou iPad, à velha maneira, de cigarro ao peito e boina basca até às orelhas. Tenho pena de ter demorado a chegar aqui.

                            Adenda: do mesmo autor (Miguel), este O Café dos Loucos.

                            Devo a pista inicial ao Bibliotecário de Babel.

                              Cibercultura, Fotografia

                              Mundimagens

                              Barco

                              Em Machine de Vision, de 1988, Paul Virilio anunciava a instauração de uma democracia-espelho capaz de fazer regredir as antigas formas de reflexão colectiva. Escrevia aí que «o exibicionismo e o voyeurismo, reforçando-se mutuamente, passaram a determinar o fetichismo da imagem opticamente correcta, na qual o padrão das aparências integra e remata a opinião pública». Baudrillard falava também da «condenação à morte» de toda a referência exterior à própria imagem, determinada pela sua exuberância e proliferação. Isto não me apavora, apesar de ser um rato dos papéis. Não encontro aqui ameaça alguma. Vejo só um imenso repto à nossa capacidade para projectar e ampliar mundos comunicantes. Não uma megacatástrofe, mas uma viagem desafiante em mar revolto.

                              | recuperado por acaso de um post publicado há seis anos

                                Artes, Cibercultura, Fotografia

                                Da importância da maçã

                                Maçã

                                Nunca me interessei muito pelos combates jurídicos entre a Microsoft e a Apple ou pela guerra de guerrilhas entre os seus adeptos. Desde os tempos do medonho MS-DOS que vinha com o meu primeiro computador, um pesado Schneider estranhamente movido a floppy-disk, sempre me servi mais de máquinas com o sistema operativo fornecido pela empresa de Gates, mas a escolha foi condicionada desde o início: os computadores da maçã eram bastante mais caros e o acesso ao software muito mais difícil. Com pouco dinheiro para investir, eu não tinha hipóteses de escolha. No entanto, sempre vi nos Mac aquilo que vêm muitos dos seus indefectíveis adeptos: computadores-objecto bonitos, quase sempre fiáveis e com um interface invariavelmente userfriendly. Nunca deixei de me servir deles ao longo dos últimos vinte anos, embora tenham sido só o iPod e o iPhone – com a revolução que introduziram na gestão diária do velho hábito de ouvir música e da nova mania de comunicar em rede – a aproximarem-me um pouco mais dos produtos da Apple. Tal como tem acontecido com tantas pessoas.

                                Hoje ao fim da tarde, Steve Jobs, o chief executive officer da empresa irá revelar o super-guardado segredo que poderá materializar, ao que consta, o arranque para a sua terceira vida: uma máquina, leve, fina e elegante, em formato tablet e a um preço razoável, que fará conjugadamente tudo aquilo que fazem agora netbooks, iPods, iPhones e sobretudo e-books, sugerindo uma nova viragem não só na utilização diária das próteses computacionais, mas principalmente na caracterização do hábito e do acto de ler. Nestas coisas, sabe-se como é difícil ser-se bruxo ou profeta, mas a cumprirem-se as previsões dos especialistas, os apóstolos da imortalidade do livro em papel e da vida eterna da galáxia de Gutenberg irão mesmo confrontar-se, talvez como nunca antes ocorreu, com a necessidade de reverem a sua visão dos mundos comunicantes. A sua forma, irrevogavelmente datada e condenada, de taparem o sol com a peneira perante as práticas e as expectativas adoptadas com entusiasmo pelas gerações mais recentes. Quem vo-lo diz vive os seus dias entre milhares de livros, de revistas, de jornais em cartão, cola e papel. Vive deles, precisa deles, snifa-os glosando muitos e até escrevendo alguns. Mas nem por isso aceita fazer de cego ou de avestruz.

                                Depois da coisa – Consumada a saída do iPad, no essencial as expectativas criadas parecem manter-se, com algumas objecções e outros tantos factores de entusiasmo. Leia-se a propósito o que escreveu Paulo Querido.

                                  Atualidade, Cibercultura

                                  Google China, Inc.

                                  Google China
                                  Imagem: Reuters

                                  A Google, Inc. não é propriamente uma corporação de anjos. Passaram já os tempos juvenis e idealistas de Larry Paige e Sergey Brin, os dois ex-estudantes de doutoramento da Stanford University que em 1996 arrancaram com o inovador e eficaz serviço de pesquisa, e nos últimos anos, para crescer e se afirmar no universo empresarial, a companhia precisou estabelecer acordos com grupos económicos e com governos nem sempre interessados na livre circulação da informação. Mas paradoxalmente esta escolha acabou por aproximar um perigo que a pode aniquilar, e por isso há que agir com algum cuidado. Acontece que, dadas as suas características, os serviços da Google requerem uma relação de confiança, um compromisso, com a liberdade fruída pelo utilizador comum, sem a qual este deixará de confiar nos serviços que utiliza, acabando por trocá-los por outros. Não quero ser cínico – nem sou capaz, obviamente, de adivinhar aquilo que passa pela cabeça dos administradores da empresa sediada em Mountain View, Califórnia –, mas estou em crer que a constatação deste perigo terá pesado na atitude adoptada pelos seus responsáveis no conflito que mantêm agora com o governo chinês. A censura sofisticada e implacável da Internet em curso na China – cujo governo continua empenhado em combinar a face mais execrável do capitalismo selvagem, que inclui até a espionagem industrial por via informática, com a vertigem repressiva que traduz o lado mais negro do «socialismo de Estado» – preocupará os responsáveis da Google na medida em que, se estes fazem cedências excessivas ao limitar da liberdade de circulação da informação dentro do imenso território chinês, irão, muito provavelmente, perder a confiança dos utilizadores e clientes no resto do mundo. E não convém arriscar.

                                  ||| Publicado também no Arrastão

                                    Cibercultura, Democracia, Opinião