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A esquerda e o medo da controvérsia

Chama-se controvérsia a toda a discussão sobre um tema ou uma opinião na qual são debatidos argumentos contrários, geralmente de uma forma acalorada e em tom de polémica. Ainda que ocorrida em tom amigável, assume quem a alimenta a existência de discordâncias importantes com a pessoa ou pessoas com quem a trava. Contém importantes vantagens, uma vez que permite exprimir diferentes modos de pensamento ou escolhas diversas, ajudando a alimentar a vida comum e, muito especialmente, a democracia, que sem ela tende a viver na estagnação e na incapacidade para lidar com a rápida transformação do mundo e fluidez da vida coletiva.

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    Atualidade, Ensaio, Opinião

    Longe da vista, longe da cabeça

    No século XIX um conjunto de teóricos urbanistas defendeu, diante do crescimento das cidades e da sua população marginalizada e politicamente instável, a necessidade de afastar as «classes pobres» para as periferias das cidades. Assim, pensavam, se reduziria o perigo que representavam para os poderosos, e os centros urbanos seriam mantidos mais bonitos, mais limpos e mais tranquilos. Na Paris dos meados desse século foi particularmente importante a atividade do perfeito Barão Haussman, o «artista demolidor». O projeto de renovação da cidade que levou a cabo teve como objetivo, além de tornar a cidade de certo modo mais bela e imponente, pôr termo às constantes revoltas populares e barricadas. Ao mesmo tempo, serviu para expulsar os antigos moradores das ruelas centrais e aqueles que, havia pouco tempo, ali tinham afluído vindos das áreas rurais. Para a burguesia parisiense, em breve essa população se tornou uma realidade quase inexistente, confinada a escassas e necessárias atividades importantes para o aprovisionamento da capital.

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      O que pode fazer-se?

      Todas as pessoas de formação progressista, e também, não tenho qualquer dúvida, um bom número das que são estruturalmente conservadoras ou mesmo de direita, embora de formação democrática, estão em choque com a semi-vitória do Chega nas eleições do passado domingo. Ainda que ela fosse esperada, existia sempre um esperança de as sucessivas sondagens estarem enganadas, mas se o estavam foi porque pecaram por defeito. A verdade é esta, bem crua: em cada mil eleitores, 180 votaram num partido sem um programa claro, para além de um cúmulo de ódio de natureza racista, xenófoba, contra a igualdade de género, homofóbica, e igualmente passadista, antieuropeia e apostada no desmantelamento do Estado social, seja no campo da saúde, da educação, da segurança social ou da cultura. A meta é, destruir a democracia, trocando-a por um populismo desvairado de extrema-direita, ou, como proclamava um apoiante mais sincero desse partido, «acabar com o 25 de Abril».

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        Oito notas quase telegráficas sobre as legislativas

        Antes de um texto mais extenso e minimamente fundamentado, algumas notas, contendo ideias avulsas e ainda um tanto desarrumadas, a propósito das eleições deste domingo.

        1. O grande vencedor foram as televisões e alguma imprensa, que, em favor da direita, conseguiram condicionar o eleitorado. Justamente em condições de crescimento económico e de melhoria gradual de vida no país, ainda que com naturais problemas, disseminando uma inventada imagem de caos e de corrupção, e quase apagando a memória dos anos terríveis e que se supunham traumáticos do governo de direita de 2011-2015. Isto no ano do cinquentenário de Abril.

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          Um dia que não é como os outros

          Sempre me pareceu dispensável o «dia de reflexão». Refiro-me às vinte e quatro horas que, entre nós e em mais alguns países, antecedem cada jornada eleitoral, sendo durante elas proibida qualquer iniciativa julgada perturbadora do sentido do voto ao influenciar, direta ou indiretamente, o eleitor. Por este motivo, além de as campanhas partidárias terminarem quando elas se iniciam, não podem então ser transmitidas, di-lo a Comissão Nacional de Eleições, «notícias, reportagens ou entrevistas que de qualquer modo possam ser entendidas como favorecendo ou prejudicando um concorrente às eleições em detrimento ou vantagem de outro». Ainda assim, não vamos tão longe por cá quanto os argentinos, que durante dois dias suspendem até as peças de teatro e os concertos. 

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            A minha escolha no dia 10

            O meu voto sempre esteve, no momento da decisão, associado à pluralidade da representação da esquerda e à escolha de políticas baseadas nos valores que esta fundamentalmente partilha. A saber, para mim e para tantas outras pessoas: a defesa da democracia e da liberdade, a promoção da justiça social e de um desenvolvimento material harmonioso, a propagação do bem-estar, da saúde e da educação, o progresso da cultura, a defesa dos direitos humanos e do relacionamento pacífico entre povos. Sempre ancorados no papel imprescindível, ainda que infinitamente em construção e aperfeiçoamento, do Estado-Providência. É este, na essência, o sentido da minha escolha no momento de votar. E é também esta a razão pela qual, com o gesto, procuro contribuir para afastar a direita, a extrema e a dita «moderada», que são o contrário de tudo isso.

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              A mentira colossal (e perigosa) de Passos

              Por momentos, vou relevar aqui tudo aquilo que Passos Coelho simboliza para quem, de uma forma justa e informada, observou e se recorda do que foi viver em Portugal entre 2011 e 2015, após ter falhado praticamente todas as promessas que tinham feito dele primeiro-ministro. Concentro-me, apoiado nos números avançados hoje no Público pela jornalista Bárbara Reis, na colossal mentira, apresentada embora como «sensação» – um fator que, como sabemos, pode significar tudo, nada ou algo mais ou menos parecido – avançada por Passos no comício do PSD no Algarve: «Precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado, precisamos também de ter um país seguro. O Governo fez ouvidos moucos e hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento que se deu a essas matérias.» Isto é, procurou usar uma das ideias-chave da direita populista para mobilizar eleitores contra a esquerda, acabando, algo absolutamente indigno de um ex-governante, por ajudar a espalhar um medo não-fundamentado, assim enganando quem o ouve e (em alguns casos) ainda respeita.

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                O humor em tempos sombrios

                A expressão «tempos sombrios» é muitas vezes utilizada tendo como referência uma obra de Hannah Arendt onde esta reuniu um conjunto de ensaios biográficos sobre homens e mulheres que tiveram a coragem, através das suas vidas e da sua obra, de manter a independência de pensamento e de resistir aos fascismos em ascensão nas décadas que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Tendo em conta o longo período de luminoso otimismo que na maior parte da Europa e das Américas se manteve entre o pós-guerra e os anos 80, marcado pelo crescimento económico, pela ascensão da classe média, pela evolução da democracia representativa e dos ideais de igualdade, pela expansão do Estado-Providência e pela valorização da emancipação, da liberdade e da diferença, usar hoje a expressão pode parecer estranho.

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                  Os jovens e a atração maioritária pela direita

                  Muitos estudos fiáveis apontam para que uma maioria dos jovens com direito de voto tendam a confiar na direita ou mesmo na extrema-direita. Isto não significa que um grande número de pessoas com menos de 25 anos não tenha uma posição diferente ou mesmo adversa a essa; felizmente, elas existem, mas ainda assim a tendência é inegável. Ela é, aliás, transversal à generalidade dos Estados europeus e americanos. Ainda que de forma breve e exploratória, é possível vislumbrar um conjunto de fatores que, isoladamente ou combinados, tendem a produzir esse efeito. Correndo o risco de ser muito incompleto, ou mesmo de falhar alguns muito importantes, aponto aqui para seis, avançados sem qualquer ordem de importância.

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                    O problema de Santos e a arma de Ventura

                    A análise política não se faz com desejos, mas com capacidade crítica e um permanente mergulho na realidade. Por muito que gostasse de o fazer, não considero, ao contrário do que alguns amigos e amigas estão a declarar enfaticamente, que Pedro Nuno Santos tenha ganho por muito – e menos ainda que tenha «esmagado» – o seu embate com André Ventura no ecrã da TVI/CNN. Não falamos aqui de razões ou de justeza, campos onde PNS está milhas à frente do seu opositor, mas de captação de emoções e passagem de mensagens curtas e rápidas, domínios em que Ventura, como todos os líderes populistas, é naturalmente mestre.

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                      Lugar da propaganda e importância do argumento

                      Um dos venenos que sustenta a extrema-direita populista, bem como os setores que com ela contemporizam, é o desprezo pelo argumento. Por cerca de dois séculos contados a partir das grandes transformações associadas à Revolução Francesa, ou por ela despertadas, a atividade política que alimentou os regimes liberais e democráticos serviu-se justamente desse meio como instrumento essencial do trabalho de disseminação entre os cidadãos das propostas de governo ou de transformação que lhe estavam na matriz. Não que durante todo esse tempo não existissem formas de persuasão que, para se afirmarem, apelavam de forma simplificada ao instinto e ao medo, sobretudo destinadas a mobilizar a população iletrada ou mais frágil, mas essa era a exceção, não a regra. 

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                        Polícia: ainda que mal pergunte

                        Na pele de sujeito diariamente empenhado na vida da ‘civitas’, apesar de não poder ficar indiferente às movimentações reivindicativas da polícia, admito que, sabendo da forma como estas estão hoje a ser instrumentalizadas pela direita – e mesmo considerando a justeza de algumas das suas reivindicações materiais – tenho procurado não olhar muito para as imagens que delas nos chegam. Fi-lo ontem e o que vi apenas confirmou aquilo que já sabia e, para não me incomodar, fazia por evitá-lo.

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                          A perigosa ascensão do Chega

                          A sondagem que acaba de ser divulgada esta sexta-feira, realizada pelo ISCRE/ICS para a SIC e para o Expresso, oferece números bastante impressionantes, quer sobre a previsível subida da extrema-direita do Chega, que atinge já os 21% das intenções de voto, contra 29% do PS e 27% da coligação PSD-CDS, quer sobre a possível descida global da esquerda à esquerda dos socialistas, que junta apenas 9% (com 5% do BE, 3% do PCP e 1% do Livre). À parte, a Iniciativa liberal, assumidamente de direita, reúne 5%, enquanto o PAN, que não se percebe bem se é carne ou peixe, mantém-se em 1%. São apenas indicadores, naturalmente, e há uma campanha pela frente, mas exprimem uma tendência muito preocupante, traduzida numa alteração visível de boa parte do mapa político que tem acompanhado a nossa democracia.

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                            Defender a democracia com a história e com a lei

                            Debate-se neste momento na Alemanha a hipótese de ilegalizar a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido populista de extrema-direita que possui já forte representação no Bundestag e praticamente todas as sondagens colocam em segundo lugar nas próximas legislativas e estaduais, com cerca de 25% dos votos. Poderá mesmo vencer em estados mais orientais, como o da Turíngia. Entre outras medidas, a AfD propõe-se combater a imigração e sair da zona do euro, impondo ainda uma acentuada política de «germanização» do país e de aproximação à Rússia. Ao mesmo tempo, esteve há pouco envolvida num plano destinado, se chegar ao poder, a expatriar para um país africano não especificado um número indefinido de cidadãos «não assimilados», incluindo quem detenha já passaporte alemão ou direitos de residência.

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                              O Chega e a «república dos brutos»

                              Quando surgiu, o partido Chega foi por muitos considerado apenas um irritante epifenómeno da nossa democracia, algo que nunca passaria de um grupo de saudosos do antigo regime, ocasionalmente reunidos em redor de um fala-barato oportunista, que aproveitava a voga internacional do populismo internacional para dar voz a uma extrema-direita que, no fundo, não se acreditava poder ganhar grande peso no país de Abril. Nesta altura, o seu inegável crescimento, com a generalidade das sondagens a atribuir-lhe um mínimo de 14 ou 15% dos votos nas legislativas de março – não sendo impensável que possa ainda crescer mais desviando muitos votantes do PSD – mostra que aquele olhar inicial era afinal bastante ingénuo.

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                                A menos de dois meses das eleições legislativas, é boa altura para lembrar um dos males que ensombram este momento fulcral da vida das democracias representativas. Traduz a tendência para grande número de eleitores exercer o seu direito sem um conhecimento minimamente razoável dos programas e dos objetivos que lhe são propostos, sejam os do partido no qual habitualmente vota, sejam os daqueles que podem servir-lhe de alternativa ou de termo comparativo. Esta situação é agravada por um fenómeno análogo que ocorre em sentido inverso: a tendência dos partidos em disputa para simplificar em excesso as suas propostas e os seus discursos, procurando que estes sejam reconhecidos sem esforço pela ampla massa de cidadãos que não tem um efetivo interesse pelo debate político.

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                                  Ultrapassado o período do Natal e do novo ano, no qual boa parte das pessoas presta pouca atenção a tudo o que vai para além do seu círculo pessoal e familiar, entramos agora, aqui em Portugal, nos cerca de dois meses que nos vão levar às eleições legislativas antecipadas. Partilharei regularmente aqui o que me parecer poder ter algum interesse público. Para já, refiro apenas dois princípios sobre os quais tenho já poucas dúvidas.

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                                    Vai doer como o diabo, mas é indispensável

                                    Estamos a viver um período particularmente difícil e sangrento desse longo e dramático conflito que desde os finais do século XIX, e em especial a partir de 1946, tem como campo de batalha Israel e a Palestina, com reflexos imediatos nos países árabes da região, sobretudo no Líbano, na Jordânia e no Egito, e incessantes ondas de choque que atingem o mundo inteiro. Estas têm sido muito ampliadas na guerra iniciada a 7 de outubro com a ofensiva-surpresa dos grupos Hamas e Jihad Islâmica, apoiados pelo Irão, lançada a partir da Faixa de Gaza contra os colonatos judaicos, algumas cidades israelitas próximas e instalações militares.

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