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O problema de Santos e a arma de Ventura

A análise política não se faz com desejos, mas com capacidade crítica e um permanente mergulho na realidade. Por muito que gostasse de o fazer, não considero, ao contrário do que alguns amigos e amigas estão a declarar enfaticamente, que Pedro Nuno Santos tenha ganho por muito – e menos ainda que tenha «esmagado» – o seu embate com André Ventura no ecrã da TVI/CNN. Não falamos aqui de razões ou de justeza, campos onde PNS está milhas à frente do seu opositor, mas de captação de emoções e passagem de mensagens curtas e rápidas, domínios em que Ventura, como todos os líderes populistas, é naturalmente mestre.

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    Maus debates, pobres comentários

    Os debates televisivos sobre as eleições têm sido um fiasco e revelam-se muito pouco úteis para quem os procure para genuinamente esclarecer o seu sentido de voto. Têm pouco tempo disponível e decorrem apressadamente, são constantemente interrompidos por moderadores agressivos que têm a sua própria agenda, e organizam-se como combates de galos, onde se espicaça sempre a agressividade. Não por culpa de todos os políticos presentes – pelo contrário, excetuando Ventura e o rapaz da IL, que estão ali precisamente para dar espetáculo grátis -, mas devido ao modelo escolhido e aos interesses das televisões, empenhadas em nivelar por baixo e assim obter melhores audiências.

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      A quem serve a ideia de «crise social»?

      Todos os índices oficiais conhecidos – sejam sobre o crescimento económico, a situação do desemprego, a segurança dos cidadãos ou os direitos humanos – apontam para que vivamos num país onde, mesmo que apenas à escala europeia, e num contexto global de grande incerteza, com algumas nuvens negras no horizonte, a vida da maioria das pessoas decorre num patamar positivo. Ou pelo menos tranquilo. Não que não existam desigualdades e injustiças, problemas nos serviços de saúde e na habitação, setores profissionais descontentes ou com problemas bem reais. Mas isto acontece como em todas as democracias e, muito pior do que nestas, em todas a ditaduras.

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        Lugar da propaganda e importância do argumento

        Um dos venenos que sustenta a extrema-direita populista, bem como os setores que com ela contemporizam, é o desprezo pelo argumento. Por cerca de dois séculos contados a partir das grandes transformações associadas à Revolução Francesa, ou por ela despertadas, a atividade política que alimentou os regimes liberais e democráticos serviu-se justamente desse meio como instrumento essencial do trabalho de disseminação entre os cidadãos das propostas de governo ou de transformação que lhe estavam na matriz. Não que durante todo esse tempo não existissem formas de persuasão que, para se afirmarem, apelavam de forma simplificada ao instinto e ao medo, sobretudo destinadas a mobilizar a população iletrada ou mais frágil, mas essa era a exceção, não a regra. 

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          Polícia: ainda que mal pergunte

          Na pele de sujeito diariamente empenhado na vida da ‘civitas’, apesar de não poder ficar indiferente às movimentações reivindicativas da polícia, admito que, sabendo da forma como estas estão hoje a ser instrumentalizadas pela direita – e mesmo considerando a justeza de algumas das suas reivindicações materiais – tenho procurado não olhar muito para as imagens que delas nos chegam. Fi-lo ontem e o que vi apenas confirmou aquilo que já sabia e, para não me incomodar, fazia por evitá-lo.

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            A perigosa ascensão do Chega

            A sondagem que acaba de ser divulgada esta sexta-feira, realizada pelo ISCRE/ICS para a SIC e para o Expresso, oferece números bastante impressionantes, quer sobre a previsível subida da extrema-direita do Chega, que atinge já os 21% das intenções de voto, contra 29% do PS e 27% da coligação PSD-CDS, quer sobre a possível descida global da esquerda à esquerda dos socialistas, que junta apenas 9% (com 5% do BE, 3% do PCP e 1% do Livre). À parte, a Iniciativa liberal, assumidamente de direita, reúne 5%, enquanto o PAN, que não se percebe bem se é carne ou peixe, mantém-se em 1%. São apenas indicadores, naturalmente, e há uma campanha pela frente, mas exprimem uma tendência muito preocupante, traduzida numa alteração visível de boa parte do mapa político que tem acompanhado a nossa democracia.

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              Um anticamuseanismo ciclicamente retomado

              Através de um artigo que me foi enviado, acabo de tomar conhecimento da edição em França, ocorrida em setembro do último ano, do livro Oublier Camus (Esquecer Camus), da autoria de Olivier Gloag, académico francês que ensina em Ashville, EUA, na Universidade da Carolina do Norte. A sua preocupação central é denegrir a personalidade e a obra de Albert Camus (1913-1960), um dos autores do século XX mais lidos em todo o mundo, e também um daqueles que, pelo seu humanismo e preocupação com a dimensão ética da política, maior e mais duradoura influência tem mantido ao longo do tempo, incluindo até hoje, mais de seis décadas transcorridas após a sua bem trágica e prematura morte.

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                Defender a democracia com a história e com a lei

                Debate-se neste momento na Alemanha a hipótese de ilegalizar a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido populista de extrema-direita que possui já forte representação no Bundestag e praticamente todas as sondagens colocam em segundo lugar nas próximas legislativas e estaduais, com cerca de 25% dos votos. Poderá mesmo vencer em estados mais orientais, como o da Turíngia. Entre outras medidas, a AfD propõe-se combater a imigração e sair da zona do euro, impondo ainda uma acentuada política de «germanização» do país e de aproximação à Rússia. Ao mesmo tempo, esteve há pouco envolvida num plano destinado, se chegar ao poder, a expatriar para um país africano não especificado um número indefinido de cidadãos «não assimilados», incluindo quem detenha já passaporte alemão ou direitos de residência.

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                  Programas eleitorais apenas reivindicativos

                  Leio com cuidado as propostas mais destacadas que os dois principais partidos à esquerda do PS adiantam para esta campanha eleitoral. Tenderia a dizer, não que «concordo com tudo», pois algumas apontam para medidas de governo dificilmente exequíveis, mas que estou de acordo com as áreas de intervenção governamental onde elas são necessárias, em alguns casos mesmo urgentes. Trata-se de medidas que aproximem a sociedade portuguesa de um melhor quadro de justiça social e de bem-estar nos domínios da habitação, da saúde, da educação, da justiça fiscal, da legislação laboral, da comunicação social, da corrupção, do clima, dos salários, das pensões e do combate à pobreza. Para todas, em diferentes escala, reivindicações concretas, que apontam para medidas possíveis e outras impossíveis, ainda que todas, sem a menor dúvida, muito desejáveis.

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                    O Chega e a «república dos brutos»

                    Quando surgiu, o partido Chega foi por muitos considerado apenas um irritante epifenómeno da nossa democracia, algo que nunca passaria de um grupo de saudosos do antigo regime, ocasionalmente reunidos em redor de um fala-barato oportunista, que aproveitava a voga internacional do populismo internacional para dar voz a uma extrema-direita que, no fundo, não se acreditava poder ganhar grande peso no país de Abril. Nesta altura, o seu inegável crescimento, com a generalidade das sondagens a atribuir-lhe um mínimo de 14 ou 15% dos votos nas legislativas de março – não sendo impensável que possa ainda crescer mais desviando muitos votantes do PSD – mostra que aquele olhar inicial era afinal bastante ingénuo.

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                      O «clubismo» partidário, mal da democracia 

                      A menos de dois meses das eleições legislativas, é boa altura para lembrar um dos males que ensombram este momento fulcral da vida das democracias representativas. Traduz a tendência para grande número de eleitores exercer o seu direito sem um conhecimento minimamente razoável dos programas e dos objetivos que lhe são propostos, sejam os do partido no qual habitualmente vota, sejam os daqueles que podem servir-lhe de alternativa ou de termo comparativo. Esta situação é agravada por um fenómeno análogo que ocorre em sentido inverso: a tendência dos partidos em disputa para simplificar em excesso as suas propostas e os seus discursos, procurando que estes sejam reconhecidos sem esforço pela ampla massa de cidadãos que não tem um efetivo interesse pelo debate político.

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                        Talvez o fim do meu diário

                        Sou fiel leitor do Diário de Notícias desde os finais dos anos 50. Foi o meu avô paterno, seu correspondente e representante local, quem, antes ainda da primária, me ensinou a ler pelas então enormes páginas do jornal, transmitindo-me ao mesmo tempo esse vício da informação e sede de notícias que me acompanha até hoje. Tinha 5 anos e o avô Manuel gostava de me exibir aos amigos, como um macaquinho de bibe, lendo-lhes notícias inteiras. Que, obviamente, pouco ou nada compreendia.

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                          Dois princípios para dois meses

                          Ultrapassado o período do Natal e do novo ano, no qual boa parte das pessoas presta pouca atenção a tudo o que vai para além do seu círculo pessoal e familiar, entramos agora, aqui em Portugal, nos cerca de dois meses que nos vão levar às eleições legislativas antecipadas. Partilharei regularmente aqui o que me parecer poder ter algum interesse público. Para já, refiro apenas dois princípios sobre os quais tenho já poucas dúvidas.

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                            A boa coerência

                            A coerência, entendida como forma de equilíbrio entre aquilo que alguém proclama, aquilo em que acredita e o que faz, é uma qualidade positiva e, se não rara, pelo menos escassamente distribuída. Não pode, porém, ser confundida, e tantas vezes é-o, com a teimosia das atitudes ou a calcificação do pensamento, próprias de quem se recusa a conformar as convicções às mudanças do mundo e da história. Por este motivo, ser-se ortodoxo, no sentido de tomar sempre como falsos e inaceitáveis ideias e factos que questionam as suas ideias ou as revelam caducas, não pode ser tomado – e por vezes assim é, quando aplicada a alguns percursos de vida – como grande qualidade. Existe, todavia, uma coerência positiva: a de quem não desiste de uma perspetiva do mundo crítica e atenta à mudança, ou a de quem vê nos princípios elementares da solidariedade humana algo de que jamais abdica. Por muito que em alguns momentos para o fazer tenha de se mostrar «incoerente» e fazer escolhas difíceis
                            [Originalmente no Facebook]

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                              Vai doer como o diabo, mas é indispensável

                              Estamos a viver um período particularmente difícil e sangrento desse longo e dramático conflito que desde os finais do século XIX, e em especial a partir de 1946, tem como campo de batalha Israel e a Palestina, com reflexos imediatos nos países árabes da região, sobretudo no Líbano, na Jordânia e no Egito, e incessantes ondas de choque que atingem o mundo inteiro. Estas têm sido muito ampliadas na guerra iniciada a 7 de outubro com a ofensiva-surpresa dos grupos Hamas e Jihad Islâmica, apoiados pelo Irão, lançada a partir da Faixa de Gaza contra os colonatos judaicos, algumas cidades israelitas próximas e instalações militares.

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                                A hipocrisia de um certo discurso «da paz»

                                Imersos em experiências e práticas culturais profundamente influenciadas pelos valores essenciais do cristianismo, sendo ou não crentes crescemos confrontados com o versículo do Evangelho de São Lucas «Paz na Terra entre os homens de boa vontade», que dá o mote, em particular nesta altura do ano, a uma retórica generalizada de rejeição da guerra e de louvor da paz. Porém, a frase exprime uma contradição nos seus termos ao diferenciar os seres humanos que considera «de boa vontade» dos demais. Aliás, judaísmo, cristianismo e islamismo, as religiões do Livro, integram na sua experiência histórica palavras de aprovação da violência quando esta castiga quem abandone ou combata a «verdadeira» fé.

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                                  Há algumas décadas ainda era natural, aqui em Portugal, ver pessoas que davam grandes abraços na rua quando se encontravam, amigas que passeavam de mão dada, homens que caminhavam de braço dado enquanto conversavam. Para além do hábito, hoje quase raro, de ver namorados de mão na mão à mesa do café ou nos bancos de praças e jardins. Nas fotografias de grupo, em jantares e encontros, os dedos por cima do ombro ou a apertar a cintura do amigo ou da amiga, eram igualmente comuns. Juntando-lhes o costume do beijo fraterno entre homens e mulheres, entre mulheres e mulheres ou, embora menos frequente, entre homens. É difícil precisar em que momento este hábito começou a recuar e estas formas de aproximação passaram a ser, como agora acontece, excecionais.

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                                    Desde que há cerca de ano e meio fechei a fase da minha vida pessoal como professor no ativo e passei à condição de «aposentado» – um quase eufemismo utilizado para mascarar a dimensão negativa, em regra pejorativa, muitas vezes socialmente associada à palavra «reformado» – começando, como é natural, a ter uma vida algo diferente da que antes tinha. Não que me falte trabalho para realizar ou projetos para desenvolver, e alguns amigos já nem me devem poder escutar a repetir que trabalho mais agora do que antes, o que até é verdade, embora num horário bem mais maleável e sem ter de cumprir os fretes impostos pela burocracia, mas porque mudei inevitavelmente alguns dos meus hábitos, ritmos e trajetos.

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