«Inimigos do povo»

Embora apenas visíveis porque são hiperativos e se dispõem em lugares comunicacionais estratégicos, hoje em larga medida em sites da Internet e nas redes sociais, os setores minoritários para os a quais os culpados da invasão da Ucrânia são sobretudo os ucranianos – que se deixam levar pelas «malditas» democracias ocidentais – estão a tratar quem não aceita a sua versão recorrendo, para além de um bom número de falsidades ou de completas invenções, projetadas sobre a ignorância ou crença que ela sempre alimenta, a toda a sorte de designações e insultos destinados a desacreditar quem não pensa exatamente como eles ou quem os confronta com uma realidade que negam, não entendem ou distorcem. 

Esta escolha recoloca-os nesse lugar histórico onde, quem não pensasse de acordo com o partido único, e dentro deste com a fação no poder, era desde logo acusado de «inimigo do povo», de «sabotador», de «contrarrevolucionário», de «divisionista», de «espião», de «antissocial», tornando legítimo, em nome de uma ordem social e cultural entendida como a única aceitável, que fossem silenciados, detidos, torturados, exilados ou mortos à escala dos milhões. Mesmo sendo muitas desses seres humanos revolucionários sinceros, ou apenas pessoas comuns trituradas porque tiveram o azar de ser destacadas para compor uma estatística. Não é invenção «contrarrevolucionária»: está nos livros de história honestos e documentados, e não construídos para efeitos de propaganda e da formatação das mentes.

A nossa sorte, dado os epítetos usados e o ódio que continuam a destilar de cada vez que colocam o resto do mundo do outro lado das barricadas do combate político, é essa gente não se encontrar em posição de nos obrigar a pensar exatamente como quer, ou então a pagar por não o fazermos. Ainda assim, não convém dormirmos na forma e acreditar que ela não é um perigo para a democracia e para a liberdade, pois em diferentes momentos do passado e em diversos lugares do mundo já chegou ao poder a partir do quase nada, por vezes através de alianças estratégicas conjunturais de natureza política ou militar, dado as eleições serem apenas um detalhe, e ela sabe disso muito bem.

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