O mural-dazibao

O dazibao era o cartaz escrito à mão em grandes caracteres usado na China, durante a «Grande Revolução Cultural Proletária», para denunciar como contrarrevolucionários todos aqueles que não seguissem os ditames do comité local dos «guardas vermelhos» ou as diretrizes erráticas do pequeno grupo que então tinha tomado conta do Partido Comunista. Nele não se falava do futuro, do progresso, das necessidades das pessoas ou da beleza do socialismo, apenas se destilava ódio, se atacavam homens e mulheres – muitos/as deles revolucionários de longa data – ou se humilhava quem ousasse discordar da inapelável «linha vermelha». 

Por analogia, costumo chamar dazibao ao mural daquelas pessoas que apenas usam as redes sociais para o combate político de natureza partidária. Nunca falam de literatura, música ou cinema (exceto se servirem a causa), jamais abordam a vida pessoal, nunca desabafam sobre algo que as preocupa, escondem onde passam as férias e nem se atrevem a palavras de afeto destinadas aos outros, é-lhes mesmo estranha a partilha da reflexão pessoal sobre temas do quotidiano. Apenas reproduzem os comunicados do partido, os cartazes do partido, as convocatórias do partido, as palavras de ordem do partido, as ações do partido e elogiam de forma ditirâmbica as prestações públicas dos companheiros e companheiras… de partido. Não se apercebem, aliás, que isto de nada serve, pois deste modo ninguém as segue ou lê com atenção, salvo quem partilha as mesmíssimas convicções.

Observar isto, como hoje me aconteceu quando, a partir de um post-panfleto acedi ao mural de alguém da minha geração (logo, «crescidinha»), com acesso a múltiplas formas de conhecimento, que conheço razoavelmente e sei que anda nisto há tanto tempo quanto eu, devendo por isso ter uma experiência política e pessoal que a afastasse deste abismo, é algo que deixa uma forte sensação de pena, associada à consciência da inutilidade real de todo aquele esforço. Infelizmente, ela não tem sido rara. Sendo estas pessoas as mais suscetíveis de assumir a cegueira política e de rejeitar o diálogo com quem pensa de forma algo diversa.

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