As duas vias da alternativa

Se não quisermos naufragar no desânimo, temos de mudar de agulha, de procurar outra rota. O empobrecimento da maioria das pessoas, a diminuição do papel social do Estado, o crescimento brutal do desemprego, a redução progressiva das liberdades e dos direitos, a instalação de um clima de medo e descrença, a desconfiança dos cidadãos em relação aos seus governantes, a desvalorização do ensino e do conhecimento, o menosprezo pela criação e pelos criadores, a ausência generalizada de expectativas, a destruição apressada de tudo aquilo que de positivo foi erguido sob o regime democrático, exigem dos cidadãos cientes desta desgraça uma atuação rápida e enérgica. A construção de uma alternativa ao atual governo, mas também de uma mudança clara em relação às lógicas de sistema que delapidaram os dinheiros públicos, instituíram o «aparelhismo» rotativista partidário como princípio de governo e desvalorizaram a democracia. Esta é uma necessidade que ganha, visivelmente, um número cada vez maior de adeptos entre os convictos de que não será com o fatalismo, a desistência e a depressão coletiva que se poderá inverter a situação. Que se poderá voltar a viver num país minimamente justo e com um lugar para a dignidade e a esperança.

No entanto, a alternativa possível não irá tombar do céu. Num país no qual o maior partido da oposição, sem o qual será de todo impraticável uma solução constitucional legitimada por uma ampla base social e política, não se está claramente a libertar dos fatores de bloqueio político e de desconfiança pública que ele próprio ajudou a levantar, e também no qual os partidos à sua esquerda infelizmente insistem mais numa atitude de resistência, de protesto e de afirmação das próprias metas e princípios do que na real procura de uma solução governativa, é de facto dramática a ausência de uma opção realista e mobilizadora que possa aproximá-los e mobilizá-los numa causa comum. Como é trágica a impossibilidade de antever um projeto que possa recolher a confiança, e também o necessário voto, da maioria da população. Existem entretanto duas vias possíveis, provavelmente as únicas fora do quadro do sectarismo e da obstinada divisão, para contornar esta situação.

A primeira via tem vindo a ser ensaiada, ainda que de uma forma incipiente. Ela supõe a produção criteriosa, e depois a divulgação, de análises e planos setoriais capazes de indicarem outros caminhos e outras soluções num novo quadro político, no sentido de resolver os problemas mais graves e de inverter a tendência dramática para a fatalidade do retorno à pobreza, à desigualdade e à ausência de desenvolvimento. Já a segunda via, fundamental, está praticamente por abrir, para além de vagas declarações de intenção. Ela passa pela produção de encontros de debate e convergência política entre partidos, movimentos e correntes de opinião, capazes de, à esquerda do atual governo, produzir uma base programática comum e essencial. Uma base capaz de mobilizar para a mudança, num diferente cenário, um número crescente de cidadãos, bem como de conquistar boa parte da maioria de indiferentes, temerosos de propostas pouco claras mas que serão seguramente decisivos. Tal significa que o trabalho de construção de uma alternativa não pode começar exclusivamente pela procura de soluções de governabilidade para o futuro. Pelo contrário, ele deve principiar pela conjugação de vontades associada à construção de um programa político necessariamente unitário, credível e mobilizador, assente em princípios fundamentais, cedências programáticas e relações de confiança. Tanto ou mais do que programar medidas para cuja aplicação não foram criadas condições, é preciso discutir a forma de tornar politicamente viável a sua aplicação. Isto é, deve começar-se pelas fundações da nova casa, não pelo telhado ou pelas janelas. «Pôr a política no posto de comando», como proclamava o velho Mao. De outra forma continuaremos perdidos na espiral da destruição e do medo.

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