Iconoclastia!

«O Exército Vermelho apoia as Pussy Riot»

A fotografia que acompanha este post foi tirada em Sófia e documenta uma intervenção estética integrada no movimento global de solidariedade que após a sua prisão, há já cinco meses, tem apoiado as três Pussy Riot e divulgado a intervenção que protagonizam. A introdução da balaclava – o acessório inventado durante a Guerra da Crimeia por umas caridosas senhoras britânicas que é o sinal visual da banda punk moscovita – sobre as cabeças de algumas das figuras de um grupo de soldados do Exército Vermelho representados na estrutura erguida durante o pesadelo do realismo socialista numa praça central da capital búlgara, acentua a dimensão iconoclasta do seu ativismo. E sublinha agora a importância da sua luta pela liberdade.

O crime «grave» pelo qual Maria Alyokhina, Nadezhda Tolokonnikova e Ekaterina Samoutsevitch foram julgadas e condenadas sem atenuantes a dois anos de prisão em colónia penal de grande dureza, herdada do Gulag soviético, onde terão de viver em constante perigo rodeadas por prisioneiras de delito comum, não consiste na sua entrada intempestiva no silêncio solene e pesado de uma igreja ortodoxa, ou na celebração de uma ação de protesto de gosto discutível. Como aconteceria em qualquer país democrático, por isso até poderiam ser forçadas a pagar uma multa ou apanhar uma pena suspensa meramente simbólica.

Na verdade, o «crime» que justifica a impiedade do sistema judicial russo e das autoridades que o controlam tem a ver com o facto da sua ação, esta e outras que a antecederam, induzir um ato de subversão que questiona diretamente algo «mais alto» do que Deus. A saber, o poder de recorte mafioso de Putin, o sistema judicial ao serviço do Estado autoritário, as relações de cumplicidade com este da hierarquia da Igreja Ortodoxa, a posição repressiva dos militares que suportam o senhor do Kremlin, o cerco constante à intervenção reivindicativa das feministas russas. O «crime grave», pelo qual as Pussy Riot estão realmente a pagar, reside principalmente no facto de a sua iniciativa iconoclasta denunciar e questionar um sistema de valores e uma teia de cumplicidades que sobreviveram ao czarismo e ao regime soviético. E que não pensam ceder o lugar a grandes ou pequenas veleidades democráticas.

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