Um pré-Abril supérfluo

Canada Dry

A memória supérflua do meu pré-Abril está cheia de sabores, odores, sonidos. O gosto da Canada Dry, consumida como sucedâneo da acossada Coca-Cola. O dos chocolates Candy-Bar nos quais fui viciado. O do melão vendido porta-a-porta. O cheiro a tinta do Século Ilustrado. E o do creme Benamor usado pelas senhoras. O da cola Peligon. O da graxa nas manhãs de domingo. O compasso dos tangos e pasodobles no Programa da Manhã da Emissora Nacional. Os Shadows a tocarem Apache. O Nat King Cole. A Filarmónica transpirando Verdi atrás do turíbulo de Agosto. O fado no rádio de pilhas. O toque de caixa no 10 de Junho. Como tudo passava devagar e na aparência nada sucedia, havia tempo para registar os pormenores. Para ir vivendo aos poucos à sombra do retrato do velho que se dizia então não gostar muito de mulheres.

    Devaneios, Etc., Memória.