«Rute» e a banalização do mal

Rute

Compreendo a posição de Eduardo Pitta relativa ao «caso Rute» mas não consigo concordar inteiramente com ela. Refiro-me, como parte dos leitores saberá, ao artifício «wellesiano» utilizado por Luís Carmelo para ampliar o impacto da divulgação de E Deus Pegou-me Pela Cintura, o seu último romance. Começo por dizer que não tenho quaisquer preconceitos a respeito da existência de «temas tabus», sejam eles considerados no campo da criação artística e literária como nos da abordagem jornalística, académica ou qualquer uma outra. Não estou, porém, a falar do romance: refiro-me sim à estratégia utilizada para o divulgar. Mas mesmo nesta direcção não acuso LC, como já foi feito, de colaborar «na degradação da imagem pública da blogosfera», e, menos ainda, de se envolver num assunto «com o qual não se brinca». Tal como respeito a opção criativa do autor, e, neste caso, de alguma forma aceito também a crítica de EP aqueles que tudo levam a sério (o que não é o mesmo que levar tudo a peito). «Não saber rir, não ser capaz de rir, foi a herança que o Velho nos deixou»: não poderia concordar mais com isto.

Mas devo confessar que tenho sérias dúvidas sobre se uma brincadeira envolvendo um tipo de drama que permanece muito presente no nosso quotidiano – neste caso, o rapto, levado a cabo por por um grupo de islamitas, de Rute, uma jornalista portuguesa a trabalhar no Líbano, associado ao silenciamento do assunto por parte da comunicação social e à «descoberta» do mesmo providenciada pelo universo atento dos blogues lusitanos – não contribuirá para uma certa «banalização do mal», transformando, com consequências imprevisíveis, um drama possível num episódio trivial. Um pouco como acontece com os hipocondríacos a quem ninguém dará importância no dia do AVC definitivo. Aplicaria este juízo a um exercício feito em 1945 sobre o campo de Auschwitz, como a outro feito em 1973 sobre o massacre de Wiriamu. Ou ainda a um outro, concebido em 2007, sobre técnicas terroristas com as quais somos actualmente forçados a conviver. Trata-se de uma questão pessoal de gosto e de sensibilidade. Provavelmente, apenas provavelmente, também de bom senso. De qualquer forma, este alarido já tirou a espoleta à bomba de fabrico caseiro.

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